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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Último nome que Alzheimer levou foi o de Davi, que há 10 anos vive pela esposa

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18/01/2018 10h46

Mas a doença não levou o amor e o carinho do marido, que faz de tudo para a esposa viver bem

Fonte: CG News – Thailla Torres

Há três meses, dona Geracina não lembra mais o nome do marido. Davi, não nega a saudade dela lhe chamando pela casa. O sorriso na fotografia em preto e branco mostra o porquê. É a imagem da relação de amor que faz o marido cuidar da esposa há 10 anos, depois do diagnóstico do Alzheimer.

Casado com Geracina Alvarenga há 54 anos, Davi Alvarenga viu a vida mudar quando descobriu que a mulher estava doente. Foi ela quem cuidou dele durante todo casamento, até que os papéis se inverteram e hoje Davi faz tudo: alimenta, dá banho, troca fraldas, passa, cozinha e lava roupas. Mas também ficaram os momentos de carinho, na busca de vencer a evolução da doença e prolongar os dias bons ao lado dela.

“É uma doença muito triste e de difícil diagnóstico. Mas quando avança, vai derrubando tudo que há pela frente”, começa Davi ao lembrar como Geracina passou a desconhecer os familiares. “Quando ela foi perdendo a memória, todo mundo pra ela se chamava Davi. Até as filhas tinham esse nome. Mas há três meses, nem do meu ela se lembra”, diz.

A família é de Amambai, a 360 quilômetros de Campo Grande, mas mudou-se para a Capital há três anos para dar mais qualidade de vida à Geracina.

Os primeiros sinais da doença chegaram há 10 anos, na frente de casa, quando ainda morava no interior. “Tudo começou com uma depressão. Mas dentro de casa, diariamente, nem sempre a gente notava que havia algo diferente”.

Foi varrendo a calçada, que Davi e as filhas perceberam que algo estava errado na rotina da esposa. “Ela começou a varrer o asfalto sem dar conta que estava no meio da rua. Depois queria brigar com o vizinho dizendo que ele jogava folha na frente da casa dela”.

De início, Davi imaginou que fosse birra da idade, mas com o tempo percebeu que a teimosia era fora do normal. “Ela sempre foi uma excelente cozinheira, mas começou a errar no preparo dos pratos. Depois, ela foi parando de cozinhar, não queria mais fazer e ficava arredia”, lembra.

Até que um ciúmes avassalador tomou conta da rotina, descreve a filha do casal, Angela Alvarenga. “Ela sentia muito ciúmes do meu pai, não podia ver ninguém perto dele e aos poucos foi perdendo a memória sobre detalhes, a família e as coisas que ela adorava fazer”, conta.

O diagnóstico foi demorado. Geracina passou por clínico geral, neurologista, psiquiatra e até endocrinologista que não sabia dizer o que significavam os sintomas recorrentes de esquecimento e mudanças no comportamento. A certeza chegou no consultório há 5 anos. “Foi um susto, apesar da gente já imaginar que algo não estava indo bem com ela, a gente sempre tem esperanças de melhora. Mas, de repente, a gente se encontra em um caminho sem volta, porque Alzheimer é isso”, descreve.

Para Davi, a revelação da doença não abalou tanto quanto foi saber que mudaria sua vida para sempre. “Quando o médico explicou que eu sairia da condição de marido para ser um cuidador, aquilo foi muito tocante, veio um filme na cabeça de toda vida que passamos juntos e da nossa vontade de envelhecer lado a lado”, descreve.

Nos últimos dois anos, o declínio foi tanto que Geracina deixou de falar, não pede mais para tomar água e não vai ao banheiro. Chegou ao ponto de levar objetos do lixo para dentro de casa. “São inúmeras situações, ela não pode ficar sozinha, não deixamos a chave na porta e em algumas situações, ela já chegou a tirar toda a roupa e sair correndo no quintal. Mas ela não sabe o que está fazendo”, descreve Davi.

As cenas despertam reações do choro ao riso. Em alguns momentos, a raiva também aparece, descreve a filha. “A gente fica nervoso com medo do que pode acontecer com ela. Por isso, meu pai está 24 horas de olho, os filhos se revezam, mas é ele que vive pra ela”.

O medo é substituído, em questão de segundos, pelo amor. “A gente entende que é normal sentir raiva quando algo muito difícil acontece, mas é preciso respirar e começar tudo de novo”, explica a filha.

Nas horas vagas, quando os filhos ficam cuidando da mãe, Davi procura cuidar da própria saúde, indo ao médico, visitando amigos e participando das reuniões da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer). “Preciso estar bem para cuidar dela para sempre. Levei um tempo para chegar a essa conclusão, porque lá no fundo a gente espera que ela vai melhorar, acredita que um dia ela vai acordar e lembrar de tudo”.

Cada palavra dita dentro do contexto enche os olhos do marido. “Quando ela diz algo com lógica, em algum momento do dia, corro para contar a minha filha. Sei que em algum momento, as lembranças na mente dela aparecem”.

No coração da filha, a saudade que fica é do exemplo de mulher que Geracina foi para a família. “Quando eu olho minha mãe quietinha ou gritando para o nada, sei que ela não é isso. Ela foi uma mulher que batalhou muito, lutou pela vida, pelos filhos, dançava como ninguém e fazia a melhor comida do mundo. A doença veio, mas o melhor dela ainda existe na gente, que é o carinho e isso não vai acabar nunca”, finaliza Angela.

Serviço – Para quem tiver interesse, as reuniões da Abraz servem de apoio para parentes e cuidadores e acontece toda segunda terça-feira do mês, às 19h, no salão da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, gratuitamente. O endereço é: Avenida Mato Grosso, 3280, Santa Fé.

Uma das fotografias que Davi mais ama ao lado de Geracina, antes do declínio por conta da doença. (Foto:Acervo Pessoal)

Davi cuida 24 horas da esposa Geracina. (Foto: Thailla Torres)

Nas fotografias estão os laços invisíveis. (Foto: Thailla Torres)

Ela está sempre na companhia da família. (Foto: Thailla Torres)

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