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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Dilma Rousseff, aberta ao diálogo

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06/02/2016 09h00 – Atualizado em 06/02/2016 09h00

Fonte: Carta Capital

A presidenta tenta sair da defensiva, relança o chamado Conselhão e anuncia medidas de estímulo ao crédito

Confirmada a reeleição na noite de 26 de outubro de 2014, Dilma Rousseff deixou o Palácio da Alvorada e dirigiu-se a um hotel nas proximidades para fazer um pronunciamento à nação. No discurso, prometeu ser uma governante “muito melhor” e declarou-se “mais madura e serena”.

Depois de uma campanha desgastante e violenta e de uma vitória apertada nas urnas, Dilma fez um gesto de conciliação: “Esta presidenta aqui está disposta ao diálogo. E é este o meu primeiro compromisso do segundo mandato, diálogo”.

A promessa durou pouco. Ao longo de 2015, a petista manteve a predileção pelo monólogo, viu-se acuada pela virulência da oposição e pela falta de apoio no Congresso, e amargou os piores índices de popularidade de um mandatário em mais de duas décadas.

Com os eleitores impacientes e o Brasil mergulhado em uma crise econômica sem precedentes, dialogar deixou de ser uma promessa. É, antes de tudo, uma necessidade.

Órgão de consulta da Presidência, símbolo da abertura do Palácio do Planalto ao diálogo com a sociedade, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social despertou de um sono profundo de 18 meses.

Formado por quase uma centena de acadêmicos, sindicalistas, empresários e personalidades, o chamado “Conselhão” voltou à ativa na quinta-feira 28, em uma reunião com Dilma e vários ministros, para debater meios de retomar o crescimento da economia. Outros três encontros devem ocorrer até o fim do ano, uma tradição na gestão Lula abandonada pela sucessora.

Na tentativa de injetar algum ânimo nos conselheiros e, por tabela, no País, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, anunciou uma medida na contramão do ajuste fiscal. O governo pretende reforçar o crédito público em 83 bilhões de reais, montante destinado às micro e pequenas empresas, exportadores, habitação, agricultura e infraestrutura.

Do total, 66 bilhões estão disponíveis via BNDES, Banco do Brasil e por meio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Os outros 17 bilhões dependem de aval parlamentar ao uso de parte do FGTS como garantia em empréstimos consignados. “É um anúncio extremamente positivo para as empresas decidirem seus investimentos”, disse Luiz Moan, presidente da associação das montadoras, a Anfavea.

Os empresários andam apreensivos e cobram do governo medidas que apontem um rumo da economia. No encontro anual da elite financeira global em Davos, Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, disse que “não podemos ter um governo unicamente em cima do ajuste fiscal”.

Uma semana depois, no Conselhão, Trabuco, escolhido pessoalmente por Dilma para discursar no encontro, foi taxativo: “Na recessão, todo mundo perde”. E que recessão. Pelas previsões, o PIB brasileiro neste ano deve repetir o desastre de 2015 e recuar ao menos 3%.

Entre os trabalhadores, nota-se a mesma apreensão. No ano passado, foram fechadas 1,5 milhão de vagas com carteira assinada. A taxa de desemprego encerrou dezembro em 6,9%, maior nível desde 2007.

O número total de empregados com carteira assinada no setor privado caiu pela primeira vez nas estatísticas do IBGE, enquanto a renda estagnou. “2016 será um ano ruim, pior que 2015”, avalia Clemente Ganz Lucio, integrante do Conselho e diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Há sérios constrangimentos ao crescimento, há escolhas que precisam ser feitas e o conselho é um espaço privilegiado para tanto.”

O Conselhão já legou boas ideias ao País. O empréstimo com desconto no contracheque surgiu em 2003, após conversas entre os presidentes à época do Bradesco, Márcio Cypriano, e da CUT, Luiz Marinho. A isenção de cobrança de IPI na venda de geladeiras depois da crise financeira global de 2008 também nasceu nos grupos temáticos do Conselho, que nada tem de jabuticaba.

Existe uma associação internacional de conselhos, a Aicesis, com 75 sócios e já presidida pelo Brasil. Há poucos dias, o presidente da França, François Hollande, reuniu seus conselheiros, apontou um estado de emergência na economia e lançou um plano de 2 bilhões de euros contra o desemprego.

No retorno da versão brasileira, Dilma não falou em emergência econômica, mas passou perto, ao pedir uma reflexão “sobre a excepcionalidade do momento” e apoio à aprovação da CPMF pelo Congresso. Segundo ela, ampliar a arrecadação é “imprescindível” para o êxito das medidas de recuperação do PIB.

Em troca do imposto, mais uma vez acenou com uma reforma da Previdência. Uma proposta que exigirá “muito diálogo, paciência e tempo” e que causa arrepios nos sindicalistas. “Foi muito importante a volta do Conselho, o País precisa de um mínimo de ânimo, mas a reforma da Previdência é um tema delicado e este não é o melhor fórum para debatê-la”, afirmou Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros.

Houve no Planalto quem tenha ficado com a impressão de que novos e velhos conselheiros aceitaram a função não por qualquer tipo de apoio ao governo, mas por uma sensação de que o País vai muito mal e precisa imediatamente mudar de rota.

Percebeu-se mais: talvez este seja o último gesto de boa vontade com a presidenta. Com a nova composição, válida por dois anos, o Conselhão experimenta a maior taxa de renovação (70%), ganha duas cadeiras (subiu a 92) e reduz o domínio patronal (de 60% para 51%).

Buscou-se uma feição mais plural e moderna. É a razão da inédita inclusão do presidente do Google, Fabio Coelho, que vê “nos desafios atuais uma ótima oportunidade para reforçar a importância cada vez maior da economia digital, do empreendedorismo e da inovação para o futuro do Brasil”.

Da indicação da presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira, para quem “a situação política e econômica do País é muito difícil, mas tudo tem jeito”. Do ator Wagner Moura, embaixador da Organização Internacional do Trabalho contra o trabalho escravo. Do neurocientista Miguel Nicolelis. E do escritor Fernando Morais, entre outros.

A remontagem do Conselho produziu cenas curiosas. Um emissário do presidente de uma das quatro maiores operadoras de celular do País procurou o Planalto, interessado em ser convidado ao ouvir rumores de que um concorrente seria incluído.

Nenhum dos dois integra a lista. Conselheiro no tempo de hibernação, Nelson Silva, da petroleira BG, brincou com a falta de sorte, ao saber de sua não recondução: “Bem agora que parece que ele vai funcionar”. Gente envolvida na Operação Lava Jato também perdeu a vaga, casos de Marcelo Odebrecht e José Carlos Bumlai.

O renascer do Conselho resulta em boa medida da troca de comando na Casa Civil, órgão ao qual se vincula. Dono de uma personalidade parecida com aquela de Dilma, o ex-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante reforçou certos traços da presidenta, entre eles a pouca disposição para o diálogo.

Consta que integrantes e dirigentes do Conselho tentaram driblar a inatividade em 2015, com ações independentes da agenda da mandatária, mas foram impedidos por Mercadante. A orientação, segundo o ministro, era não tomar nenhuma iniciativa.

Jaques Wagner convenceu Dilma a ressuscitar o Conselho tão logo substituiu Mercadante no posto, em outubro passado. Questão de estilo e de cálculo. Formado na escola da vida sindical, Wagner acredita no poder das negociações. De 2004 a 2005, foi ministro-chefe do Conselhão e constatou sua utilidade como ponte com a sociedade.

Com Dilma e seu governo criticados pelo autismo, o palco talvez sirva para diminuir a tensão nas relações com a sociedade civil, pensa o ministro. De quebra, Wagner terá um canal direto com a elite econômica e intelectual brasileira. Nada mau para quem sonha em disputar a sucessão de Dilma pelo PT em 2018, caso Lula não concorra.

O chefe da Casa Civil fez questão de convidar pessoalmente alguns dos novos conselheiros. E sofreu até a véspera para acertar com Dilma a lista dos nomeados. Depois do empenho, corre o risco de perder a cria.

De forma inesperada, a presidenta avalia empossar no comando do Conselho o ex-presidente do PCdoB Renato Rabelo, não se sabe se subordinado a Wagner. Teria sido um pedido da atual presidenta do partido, Luciana Santos. Uma história sem desfecho até agora.

No Congresso, há outra tentativa de tirar a guarda do Conselhão da Casa Civil e passá-la à Secretaria de Governo, sob os cuidados de Ricardo Berzoini. A proposta consta do parecer do senador Donizetti Nogueira, do PT do Tocantins, sobre a Medida Provisória 696, que extingue ministérios.

Nogueira é suplente de Kátia Abreu, a ministra da Agricultura amiga de Dilma. Diz achar mais adequado o órgão consultivo se subordinar à Secretaria de Governo, mas toparia rever sua posição caso alguém peça.

Se a volta do Conselho é para valer e se o grupo terá mesmo voz nas decisões presidenciais, só o tempo dirá. Desde a criação do grupo, sua presença na vida nacional nunca foi, porém, tão necessária, na avaliação de uma veterana, a economista e socióloga Tânia Bacelar, que se tornou conselheira em 2004.

“Vivemos um clima de muita intolerância, ali a gente aprende a dialogar, a ver o outro com interesse”, diz a professora da Universidade Federal de Pernambuco. “Dilma fez muita coisa sozinha. Tem apanhado tanto, que talvez tenha resolvido ouvir. Vale a pena acreditar e pagar para ver.”

*Reportagem publicada originalmente na edição 886 de CartaCapital, com o título “Aberta ao Diálogo”

Barbosa, ao lado de Dilma e Wagner, anunciou novas medidas

Trabuco: todos perdem com a recessão

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