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sexta-feira, 19 de abril de 2024

O pescador

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15/02/2017 07h36

Conversa Nada Fiada / Odil Puques

Fonte: Redação

Pois não é que Nhá Zéfa tava naqueles dias, esperava o oitavo filho do casal – dos 18 que tiveram – dizem que este foi o mais sabido de todos, já nasceu sabendo ler, escrever e fazer conta de tabuada. O fato é que deu desejo na patroa de comer peixe na brasa e não podia ser qualquer peixe, tinha que ser um dourado, justo o mais difícil e já viu né, desejo de mulher barriguda é uma ordem, e Tio Domiro, não queria ver o rebento nascer com cara de peixe. Não se deu por apertado, pegou a garrucha e se mandou pro rio Amambai que ficava pertinho, umas duas ou três léguas de distância. Lá chegando, viu que tinha uma pitangueira que cobria toda a extensão do rio, e o rei do rio, pulava dava umas mamadinhas numa fruta e tchibum mergulhava profundamente. O Tio Domiro, puxou a garrucha esperou o peixe pular para chupar a fruta e atirou na sombra que o bicho que fazia no rio. Pá, buf. – Mas na sombra Tio Domiro, porque não atirou direto no peixe? – E ia estragar o couro meu fio? Parece que bebe -. Recolheu o douradão e se foi preparar o bicho que o fogo já tava pronto e a patroa ansiada.

Educação

Falando em filhos, diz que o Tio Domiro, nunca conseguiu bater em nenhum deles, qualquer arte que aprontavam, corriam e subiam nas grimpas de um pé de mandioca que tinha na frente de sua casa. Inalcançáveis.

Sucesso

Uma vez um dos fihos do Tio Domiro gravou um LP, sucesso total e absoluto na pequena Nhu-Verá de então. Com o intuito de expandir o sucesso do filho, o zeloso pai pegou mil LP’s, encilhou o picassinho e se mandou pra Ponta Porã, uma praça maior, ia estourar nas paradas, tinha certeza. Na altura do rio Amambai encontrou um jaguaretê e travou uma luta medonha com a bicha, unha a unha, até que não agüentando mais os coices do picassinho, que claro, ajudava o dono, a fera se mandou de volta pra mata. Chegando ao seu destino Tio Domiro, deu por falta de um disco, só tinha 999, decerto este tinha se extraviado na luta com a pintada. Paciência. Deixou os discos numa loja e combinou com o dono que semana próxima voltava para pegar o dinheiro, ia vender tudo, garantia. Os discos devem de estar lá até hoje, mas essa é outra história. O fato é que quando retornava para sua casa, na mesma altura onde tinha ‘aloitado’ com a fera, Tio Domiro, reconheceu a voz do filho cantando: “amor eterno, amor…”. Foi ver, pois não é que o disco tinha caído em um pé de araçá, o vento o fazia rodar e o galho da planta servia como a ‘agulha’ e toda vez que encostava no disco este tocava ???

A onça

Dessa veizada convidaram o Tio Domiro pra caçar onça. Convite aceito, este afiou bem seu canivete e se bandiou com a comitiva de onceiros. Os companheiros de empreitada armados de revólveres, espingardas, pistolas de última geração avisaram o novato que as onças daqui do Mato Grosso não eram àquelas jaguatiricas que ele tava acostumado não, que a bichana cheirava de longe quem demonstrasse algum temor e “crau”. O fato é que durante o dia inteiro, Tio Domiro ficou cestiando na rede, enquanto seus parceiros se aboletavam, sem sucesso, atrás da sagarana. De noite solito é que foi atrás da caça. Encontrou. Uma daquelas que só de arrepiar os bigodes fazia gelar a espinha dorsal e perna pra que te quero, a bicha atrás, pega não pega. Passou pelos companheiros que se preparavam para descansar e gritou.
– Já trouxe uma, matem a bicha, enquanto vou buscar a outra.

Pacas

Depois desse susto, Tio Domiro, foi caçar pacas – um bicho mais fácil de domar, dizia – e desta vez foi armado com arma de fogo. Encontrou uma porção delas pastando tranquilamente. Não teve dúvidas, sacou o revólver e foi atirando, matou quarenta de uma veizada.
– E não parou pra recarregar o revólver Tio Domiro?
– Cadê o tempo, meu fio, cadê o tempo…

Carreira

Uma vez o Tio Domiro voltava para sua querida Amambai de uma viagem que fizera lá pras bandas de Nioaque. Fora vender erva, charque e buscava outros tipos de provistas de forma que o picassinho tava mais esgotado que égua de padeiro. Pois bem, passando por Sanga Puitã, mais ou menos uns 100 quilômetros do seu destino, nosso herói percebeu que estavam acontecendo umas carreiradas na cancha de um tal Pancho Lugo. Parou pra assistir e também pra dar um descanso pro seu pobre animal. Mas não é que os carreiristas reconheceram o famoso picasinho e quiseram porque quiseram atar uma carreira com o animal. Tio Domiro, ainda argumentou que o cavalo tava cansado, fazia viagem de dias e ainda carregado, mas não teve jeito, até porque uns paraguaios já tavam olhando meio torto pra ele. Pra não esticar a história sei que deram o grito e o alazão dos turcos já disparou na frente, nos cem metros passou ganhando de luz, nisso o Tio Domiro foi alisando, alisando com a guacha a orelha do seu potro, carinhando o bicho, falando baixinho com ele e o picassinho virou o dêmo, disparou, correu tanto mais tanto, que veio parar em Amambai. Até hoje Tio Domiro não sabe se ganhou àquela carreira.

A Viagem

O primeiro homem a possuir um veículo por essas bandas foi o seu Mauro Martins. Comprou uma jardineira que fazia o transporte de passageiros de Mundo Novo a Ponta Porã. Uma vez o Mauro encontrou o Tio Domiro ali pras bandas de Sacarón, quando este retornava para sua querida Amambai. Vieram proseando de lá até aqui, pela janela do ônibus, o detalhe é que o Mauro vinha na direção do veículo e o Tio Domiro no picassinho.

O Porongo

Tio Domiro sempre foi louco por caçadas. Não admitia que bicho bicho qualquer fosse mais sabido que o bicho homem. Queria porque queria caçar patos pretos as aves mais ariscas que se tem notícia por essas bandas, mais desconfiadas que urubu em dia de vigilância, basta sentir o cheiro, a presença de alguém que pernas ou melhor asas pra que te quero. Pois bem, Tio Domiro pegou um porongo desenhou o seu rosto e soltou na água, na primeira vez que viram aquilo os patos voaram todos, não ficou um pra contar história, da segunda vez voaram quase todos ficando um ou dois mais confiantes, depois as aves se familiarizaram tanto com aquele rosto que viram que o porongo não oferecia perigo. Quê o quê. Bastou a pataiada perder o medo que o Tio Domiro se afundou no rio, ficou só com a cabeça de fora, como as aves já estavam acostumadas com a sua fuça, nem ligaram. Moleza. Pá, buf, ia pegando os patos, destroncando e pondo no embornal que a janta ia ser boa.

O autor é advogado e escreve semanalmente nesta coluna

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