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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Tropiadas

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31/01/2017 07h50

Conversa nada Fiada / Por Odil Puques

Por Odil Puques

Tropiadas no lombo do alazão; Léguas e léguas na mais triste solidão; Meu pai tocando o boi, num tempo que já se foi; Tropeiro te agradeço pelo que hoje eu sou.

Tropeiro, tropeiro mesmo não existe mais por essas bandas. Teve muito. Por aqui tudo era chão e pra levar o gado de um rincão a outro, só tocando pelas picadas então existentes. Viagens longas – que chegavam a durar até sessenta dias – duras, em cima de lombos de cavalos, de burros, tendo em sua companhia só o vento e a noite. Não esqueçamos do mais fiel dos amigos, o jaguara que sempre ajudava quando alguma rês desgarrava e era companhia constante nas noitadas do sertão.

Trezentas cabeças saíam da mangueira do vendedor, trezentas tinham que chegar no pasto do comprador que a responsabilidade era toda do chefe da comitiva, chamado de condutor.

Na frente da tropa ditando o ritmo da marcha e cuidando para o gado não estourar, iam os ‘ponteiros’. Esses eram os responsáveis também pelo berrante.

Assim, conforme o toque do berrante os companheiros de empreitada sabiam se tinham que diminuir ou acelerar a marcha, se o pouso estava perto, se seriam obrigados a fazer uma parada imprevista, se alguma rês desgarrou enfim toda a comunicação entre os tropeiros era feita através desses toques.

Claro, o berranteiro tinha ainda a função de ‘chamar’ o gado. Animal homem e animal bicho sabem perfeitamente bem, quando o toque é para si ou quando é para o outro. Pena que não possa reproduzir aqui o som melancólico de um berrante, indicando a partida da boiada.

Não tem coisa mais bonita nesse mundão de meu Deus. No entremeio da tropiada, cobrindo as laterais para que o gado não ‘estoure’ vão os ‘meeiros’ responsáveis que são pela fiscalização do ‘cerne’ da tropiada, se alguma rês se desgarra eles é que são responsáveis para trazê-la de volta ao bojo do gado, se outra está andando devagar ou querendo deitar, basta uns laçaços que a bicha cria asas e sai fumegando pra acompanhar o resto da tropa, os meeiros ficam num indo e vindo entre a ponta e a traseira da tropa, fiscais que são.

Finalmente, acompanhando o gado por trás, vão os culatreiros, boiadeiros mais experientes, conduzem o gado e ditam o ritmo da marcha conforme a necessidade da viagem, ou o cansaço do gado, que a medida que a marcha vai se estendendo, obviamente vai rendendo menos. Junto a esta turma viaja o tropeiro ou condutor, assim chamado porque é o responsável pela tropiada, desde a contratação dos peões, passando pela tropa de burros e cavalos até a responsabilidade com todo o gado que pegou para transportar, ou seja, o patrão daquela empreitada. Não esqueçamos do cozinheiro que vai à frente da tropa, acha um bom lugar, calcula a passada da boiada e prepara o que comer. Invariavelmente carreteiro. Arroz carreteiro. Isso porque o charque é preparado para suportar as intempéries do frio ou do calor, o arroz é fácil de transportar e a preparação é rápida, que tempo é muito importante nessas longas viagens.

A indumentária é própria para suportar a dureza da viagem, inclusive aquelas calças de couro, chamadas de “tirador” que serviam principalmente para proteger as virilhas e não dar assadura e o protetor para os pés eram chamados de “puá”. Se sol, o chapéu é o companheiro inseparável.

Com chuva tem problema não porque as capas gaúchas não deixam entrar gota sequer. Muitas são as aventuras, os encontros com lobos, onças, sacis e lobisomens, que rendem muitas histórias e gargalhadas naquele eterno momento do adormecer, mas não existe nada pior neste mundo do que o estouro de uma boiada. Ninguém sabe como, onde ou porquê ela começa.

O fato é que é do nada o gado fica alvissareiro, um murmúrio estranho toma conta da tropa e aquilo vai se avolumando, ao longe se ouve o pipocar de quatro, vinte, quarenta cascos, de repente todo o mundéu de vaca, bezerro, boi, dispara numa direção só, sem controle, aí meu filho é salve-se quem puder, esporeia, tira o teu cavalo da reta senão passam por cima de você com cavalo e tudo, e que Deus e Nossa Senhora da Aparecida te protejam neste momento.

Passado o susto é hora de tentar juntar a gadaiada, ô trabalheira que dá, minha mãe do céu, junta daqui, chama dali, conta, reconta senão o prejuízo é certo, é pagar para trabalhar, imagina quase quarenta dias de labuta e ainda ter que pagar por rês desgarrada?? Dá não. Chama de novo, procura melhor que todas as trezentas cabeças têm que ser entregues no pasto do patrão. Servição este. De fato não é pra qualquer um.

O autor é advogado e escreve semanalmente nesta coluna

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