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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Você conhece o pé de picolé?

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20/06/2016 07h15

Crônicas de uma Alma Solta

Ler é um ato revolucionário, liberta a mente! Libertamente…

Por Luiz Peixoto

“Queria voltar a ser uma criança.
De pés descalços pular sobre a grama.
Jogar futebol nas areias da estrada.
Brincar de pegar e correr sobre a lama.
Aquele tempo que não volta mais.
Da inocência pura de uma criança.
O tempo acabou com a nossa alegria.
De brincar com o tempo e se encher de esperança.”
(Adilson Motta)

Quando a gente é criança muita coisa fica na memória. Tanto memória real, como memória afetiva. Nasci em Amambai – MS, em 1971, ali na estrada que liga a cidade à Coronel Sapucaia, na Fazenda Olhos D`água. Meu pai era peão na fazenda do primo dele. Sou o segundo (e último filho). Nasci em casa, com minha vó de parteira, com minha mãe tendo trabalhado todo o dia nas lidas do lar e me pondo no mundo às 2h da madrugada. Imagino que já nasci fazendo bagunça, roubando o colo que era da minha irmã e incomodando a família por vários dias. Dizem que eu era chorão (ainda sou).

Mudamos para a cidade em 1975. Casa de madeira, no centro da cidade. Terreno grande. Porco, galinha, pé de manga. Criança solta. Coisa difícil de ver hoje em dia. Meu pai virou carpinteiro, minha mãe costureira. Dinheiro sempre pouco. Desejos de criança não existiam. Era uma alegria o natal, afinal tinha maçã e uva, pouca mas tinha, deve ser por isso que até hoje não gosto dessas duas frutas, me lembram a ânsia de tê-las e o gosto fica meio amargo.

Nunca tive muitos brinquedos. Tampouco me fizeram falta. Aprendi a brincar com o que tinha. Mas sempre gostei de picolé! Na época eram mais raros, em casa não havia geladeira, nem energia elétrica, então fazer picolé ou sorvete em casa era impossível. Os picolés eram aquela coisa de sonho, puro suco de má qualidade e açúcar. Mas para um criança era quase como se fosse o gosto do paraíso.

Aos domingos íamos à missa. No caminho passávamos pela Praça Valêncio de Brum, a praça central da cidade. Lá sempre teve, e ainda tem, vendedores de picolés, com seus carrinhos. Na ida íamos concentrados, sempre era cedo. Na volta o desejo de ter um picolé sempre levava ao pedido ao pai. Mas não havia dinheiro sempre. Ou quase nunca havia dinheiro.

Na praça sempre houve um tipo de pinheiro. O pai então começou a dizer que picolé era fruta daquela árvore. Que não estava na época e que tínhamos que esperar dar fruto e amadurecer. E a gente esperava. E a fruta nunca vinha. Pode parecer bobeira hoje. Todo mundo sabe de onde vem o picolé. Até aprendi a fazer um muito bom de manga com leite. Mas com 6 anos de idade, naquele tempo, era a melhor mentira que me contaram. Sempre olhei aqueles pinheiros com esperança. Aquela árvore cuneiforme, até hoje, tem para mim um sabor e um cheiro de picolé. Impossível passar na praça e não olhar para o pinheiro e não sorrir. Sei que me deixa com cara de bobo, mas a boca enche de saliva. E nem adianta vir com sorvete, doces, ou demais guloseimas, passo na praça e saio buscando um picolé, de preferência aquele de suco e açúcar, derretendo ao sol.

Toda vez ficava sabendo que a Praça estava em reformas, e forma muitas ao longo dos anos (a atual reforma está com um ano de atraso e nada de ver as obras se mexerem), ficava torcendo para que não derrubassem meus pés de picolé. Já plantei em casa o pinheiro, mas não é o mesmo gosto nem o mesmo cheiro. É aquele, da praça, da esquina, que sempre tem sabor de esperança, esperando que um dia ele frutifique.

Hoje não procuro mais picolé no pé de pinheiro, no pé de picolé, mas ainda busco motivos para continuar tendo esperanças, para continuar saboreando o ainda não veio, de continuar acreditando, tão qual criança, que dias melhores estão por vir. Não perdi esse desejo, não perdi essa esperança. Ainda acredito em árvores, que não produzem picolé, mas produzem lembranças, saudades, vontades.

Acredito principalmente que a memória produz gosto, cheiro e desejo. Depois de tantos anos longe da minha cidade, ando na rua e sinto cheiro e gosto de infância…

“E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância”
(Tribalistas)

Luiz Peixoto – Filósofo. Escreve semanalmente nessa coluna

Você conhece o pé de picolé?

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