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quinta-feira, 28 de março de 2024

Estupro… a arma do covarde!

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30/05/2016 07h15 – Atualizado em 30/05/2016 07h15

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

Nessa última semana o ministro, interino, da educação recebeu em seu gabinete um ator pornô, cujo discurso e cujos atos representam uma temível faceta do homem nacional. Nenhum problema em ele ser ator pornô. Nenhum problema em ele ser recebido por ninguém. O problema é como educador ver estampado nos jornais que o referido ator era recebido para apresentar sugestões em relação à educação nacional, afinal pelo que me lembro, o ator não fez nada de relevância em matéria educacional, a menos que consideremos filmes pornôs como algo educativo (e eu não considero).

Também nessa semana, uma jovem de 16 anos (ou 17 anos, as informações ainda são desencontradas) foi estuprada por trinta rapazes no Rio de Janeiro. E foi filmada, divulgada nas redes sociais e curtida e compartilhada por muitos outros “estupradores”. Mas o que pensar, quando esse mesmo ator narrou em um programa de TV (de péssima qualidade) que havia estuprado uma mãe-de-santo e foi aplaudido pela plateia e pelo apresentador (sic)?

Como disse o professor Jota “Ao receber o ator, o ministro legitimou o personagem, com direito a selfie e tudo. O ministro fez do ator um cidadão comum, um homem ‘de bem’. Aprovou suas práticas, acolheu suas ideias. Simbolicamente, imputou-lhe valor. Talvez o ministro não tenha se dado conta, mas o ato é uma espécie de recado à sociedade. Ao receber o ator, o ministro fez o mesmo que aquela plateia que o aplaudiu em rede nacional, enquanto ele contava, em detalhes, como estuprou uma mãe-de-santo – finalmente, é o mesmo homem. Os gestos e o palavrório é de dar vômito. O riso frouxo dos espectadores e os incentivos do apresentador em busca desesperada de audiência, amorteceram a gravidade dos fatos. Ao que parece, ninguém se incomodava. Além do interesse hipertrofiado pelo sexo travestido em pornografia (coisa que nos afeta sobremaneira), o relato é corriqueiro, não há dúvida. Muitos machos brasileiros se reconhecem prontamente – sem nenhum pudor – na narrativa da cópula do Frota: “fiquei olhando aquele bundão, falei pô, vou comer”, “ela não falou nada, eu falei: vou pegar”, “aí virei, botei a mãe-de-santo de quatro”, “garrei ela pela nunca”, “comecei a sapecar”, “fiz tanta pressão na nuca da mulher que ela dormiu” etc. etc. etc. Não precisamos de muito para identificar o ritual falocêntrico que objetifica a mulher e que acentua o ideal do homem-garanhão e pegador. Qualquer uma das frases do Frota pode ser facilmente ouvida no ponto de ônibus, no corredor da universidade, na roda da cerveja, no bar, no elevador, na rua. É parte do cotidiano masculino. Coisa de homem. Porção de nossas cegueiras. Coisa banal. Problema nenhum. É parte do jogo. Homem é assim. Mulher é assado. Reclamar disso te faz um moralista, um xiita. O palavrório a gente aprende desde pequeno. Do berço, o homem nacional (que talvez não seja só brasileiro, eu concedo) aprende que pode tudo. A mãe lhe serve, a irmã lhe assiste. Está tudo a seu favor. No geral, criamos nossos meninos para esse jogo de hierarquias, para seguirem as mesmas regras, sob o risco de serem vítimas de outros preconceitos. No informe do Frota, o macho nacional toma as iniciativas, usa e abusa, soberano. A mulher não fala, não sente, não tem prazer nenhum, desmaia durante o ato, como é próprio daquilo que é só uma coisa. Ela não tem escolha. Agacha-se no meio da sala como um objeto de prazer. Não consente, não tem chance de recusar. Alguns dirão, com a venda do preconceito nos olhos, que ela até gostou. Que ela mereceu. Que ela procurou. Que ela… (A menina do Rio também desmaiou, também não assentiu, também…). As cenas do Frota (a que ele descreve e as que ele encena) não assustam a plateia porque elas se reproduzem com uma banalidade ululante em todos os cotidianos.

Os dados estão aí. Nem ele, nem os trinta do Rio, parecem reconhecer a gravidade de seus atos. Nas redes sociais, os meninos contam vantagem. Celebram a própria barbárie. No gabinete do ministro, o ator pousa de bom mocinho. Na avenida, lutou contra a corrupção e todos os outros vícios, ao lado dos pastores moralistas da Bancada da Bíblia. Tudo normal.
Coisa banal. Problema nenhum. Faz parte do jogo. Homem é assim. Mulher é assado. (Aliás, é bom lembrar, tiraram a mulher e não colocaram nenhuma no primeiro escalão do governo: o ministro segue a mesma lógica do presidente interino; até agora, tudo como programado). O culpado pelo estupro da moça carioca é o macho nacional. Esse estereótipo machista que formula e repete nossas piadas sexistas, nossas propagandas de cerveja, nossas mensagens nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp. Ele está sentado nas nossas mesas, frequenta nossas igrejas, vai nas nossas festas, joga bola conosco, vive dentro de nós. Seus pequenos gestos são sementes de crimes, potenciais da violência, incentivo miúdo da perversidade. É ele que nós precisamos denunciar primeiro. É ele que nós precisamos eliminar, com um esforço diligente e cotidiano. E por fim, é precisamos reconhecer que o macho nacional é um grande frustrado – alguém que o avise, por favor! Não precisamos de muita psicologia para adivinhar seus desgostos. O macho nacional não sabe transar, por isso estupra; e nem sequer experimentou o que é o amor, que é troca, por isso objetifica. Gaba-se do que lhe falta. Espalha seus sucessos como forma de disfarçar seus próprios desequilíbrios. É essa frustração que está implícita em suas atitudes cotidianas. Ele ainda não descobriu que enquanto o sexo for só para ele, imposto e não consensual, ele não será o que deve ser: uma experiência de prazer, de carinho e, sobretudo, de encontro.”

Ainda pensando, como disse o Professor Gláucio “Em geral quando pensamos em casos de estupro coletivo lembramos sempre dos outros. Lembramos dos diversos casos ocorridos recentemente na Índia, ainda que talvez não tivessem grande repercussão na mídia em geral: Turistas dinamarquesas e alemãs foram vítimas de estupro coletivo; uma jovem de 20 anos foi estuprada por 13 homens como punição, por um grupo de anciões de uma pequena vila de Bengala, por ter se apaixonado por um rapaz de uma vila vizinha. A Índia é aqui. Os números não mostram a gravidade da situação, mas vamos a eles. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos; em 2015 foram 47.646 casos de estupros; Além do fato ocorrido no Rio de Janeiro, recentemente se tornou público dois outros casos de estupros coletivos ocorridos ambos no Piauí; Em Natal só o mês de agosto registrou três casos de estupros coletivos. Observem o quanto essa afirmação é importante. ‘Não tem 30 monstros juntos. Não tem patologia nisso. É uma questão cultural. São 30 pessoas que participaram do crime e nenhuma delas agiu para evitar que aquele crime acontecesse. Isso revela uma sociedade criminosa e violenta contra a mulher. Que enxerga que o corpo da mulher é feito para o homem usufruir’. Quem afirma é Silvia Chakian, promotora de Justiça e coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (GEVID) do estado de São Paulo. Creio que pelo exercício de historiador eu não consiga ver um só fato sem ao menos tentar observar o contexto. O que ocorreu essa semana só demostra a necessidade e a urgência de trazer para o debate a educação de gênero, do respeito ao corpo da mulher e dos seus direitos. Não paro de pensar que em vez disso o MEC, em agenda oficial, recebeu as sugestões do Frota para a educação básica brasileira. “

Só sei que estou perplexo, envergonhado, indignado!

Luiz Peixoto – Filósofo. Escreve semanalmente nessa coluna

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