22 C
Dourados
terça-feira, 16 de abril de 2024

Manipulação sintética: nova arma biológica para combater mosquitos

- Publicidade -

03/05/2016 09h30 – Atualizado em 03/05/2016 09h30

A manipulação biológica sintética está industrializando a manipulação da vida.

Carta Maior

O Brasil mais uma vez serve de cobaia para a transgenia e, agora, a biologia sintética, no caso que envolve o combate ao mosquito aedes aegypti e o estardalhaço grosseiro da mídia sobre a microcefalia. O alarde caiu como uma luva para o pesquisador inglês Luke Alphrey, fundador da Oxitec, empresa criada dentro da Universidade de Oxford e os investidores que apostaram no novo produto. Em agosto de 2015 a Intrexon Corporation comprou a Oxitec por US$160 milhões- R$631 milhões -, sendo metade em ações. As ações na Bolsa de Nova York começaram a subir e quase dobraram o valor da Intrexon – em fevereiro as ações eram cotadas a US$26 e em 8 de abril alcançaram USS34.56 e o valor de mercado alcançou US$4,24 bilhões.

Do surto de microcefalia em Pernambuco, sem comprovação de ser consequência do vírus zika, anunciado em outubro, até abril deste ano os fundos Blackrock, Vanguard, Morgan Stanley encheram mais um pouco as suas carteiras com a nova aposta na biologia sintética, algo como, além da transgenia. O Morgan Stanley no último quadrimestre, que encerra em março, no mercado dos Estados Unidos, aumentou em 12,6% sua participação na Intrexon Corporation e o fundo California State Teachers Retirement System em 7,2%. É assim que funciona o capitalismo esclerosado.

Ação entre amigos

Uma comissão nacional, no caso brasileiro, a CNTBio libera a pesquisa de um mosquito transgênico, que nos mercados internacionais foi qualificado pela empresa Oxitec como “Aedes do Bem”. A empresa capta dinheiro e investe em marketing e segue sua trajetória. Testa seus mosquitos em bairros pobres de Juazeiro, porque o professor aposentado Aldo Malavasi, fundador da Moscamed uma mistura de Organização Social(OS) e empresa, que atua como braço da agora Intrexon, libera sua biofábrica de moscas de frutas tratadas com cobalto para um projeto da USP, liderado pela pesquisadora Margareth Capurro. Ela teve um contato com o pesquisador Luke numa conferência em 2007, quando todo o processo começou – a CNTBio aprovou a importação em 2009 dos primeiros cinco mil ovos.

A questão da localização de Juazeiro é estratégica: porque a Oxitec e a Moscamed trabalham com insetos que atacam a fruticultura irrigada do Vale do São Francisco, cuja sede é em Petrolina, no perímetro irrigado Nilo Coelho, onde por coincidência a Monsanto mantém o maior centro de pesquisa fora dos Estados Unidos – que é no Havaí. Daí até a aprovação na CNTBio do mosquito transgênico, que tem um gene letal, e come tetraciclina enquanto está no laboratório, foi rápido. Os conselheiros da Comissão também pertenciam aos quadros da USP, como disse o pesquisador Antônio Inácio Andreoli, um dos membros presentes na votação em 2014. Andreoli recebeu um email da Oxitec pedindo seu voto favorável, sem contar que representantes da empresa fizeram uma explanação no dia da votação.

Na América Latina três milhões defecam a céu aberto

A história de empresas que nascem em universidades e logo são compradas pelos tubarões no mercado é velha. O problema é quando o assunto é a saúde de milhões de pessoas, ou até mesmo bilhões, se contarmos todas as doenças transmitidas por mosquitos. É como diz o relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, Léo Helle:

“- Na América Latina 100 milhões de pessoas ainda carecem de sistemas adequados de saneamento e 70 milhões não tem água encanada em seus terrenos ou dentro de suas casas. Há um forte vínculo entre sistemas de saneamento deficientes e o surto de zika, bem como a dengue, chicungunha e febre amarela”.

Sem contar que na América Latina três milhões de pessoas ainda defecam a céu aberto.

Enquanto isso a Intrexon acelera seus comunicados à imprensa citando o caso de Piracicaba onde 25 milhões de mosquitos foram distribuídos no bairro Cecap e diminuíram os índices de dengue, números confirmados pela prefeitura da cidade. Já está em andamento uma nova fábrica de mosquitos, além da já inaugurada em Campinas. Um trecho do comunicado:

“- O Brasil está liderando a aplicação de novas abordagens no combate ao mosquito da dengue, após aprovação dom mosquito da Oxitec pela CNTBio, a cidade de Piracicaba, SP, começou o primeiro projeto municipal mundial de uso do aedes aegypti do bem”.

Slogan da Intrexon: “better DNA”

O presidente executivo da Intrexon Corporation, Randal J. Kirk vai muito além:

“- A tecnologia da Oxitec mostra que a engenharia biológica pode resolver alguns dos problemas mais difíceis da humanidade, ao mesmo tempo que respeita o meio ambiente. A Oxitec e a Intrexon têm uma visão comum e estão totalmente comprometidos com um planeta mais seguro, sadio e sustentável”.

O slogan mundial da Intrexon é o seguinte: “Better DNA”, sistemas biológicos complexos de escala industrial, permite o uso de células vivas com um controle, qualidade e desempenho sem precedentes. Está impulsionando a biorrevolução industrial. Sempre após essa baboseira toda, eles esclarecem que são declarações prospectivas, que podem não ter ligação com a realidade futura. Mas vão chutando e assim captaram US$500 milhões numa oferta pública de ações na NYSE, a bolsa de Nova York. O Pentágono apoia a “nova abordagem” da biologia sintética segundo os especialistas da área. Por um motivo simples: aplica os princípios da engenharia à biologia em produtos das áreas de saúde, alimentos, energia, consumo e ambientais:

“- Trabalhamos com pesquisadores, desenvolvedores e profissionais de marketing para projetar, criar ou modificar moléculas, células, organismos e processos para resolver problemas importantes no mundo dos vivos”, registra o site da empresa.

A piração dos cientistas

Um dos cientistas criadores da biologia sintética é Craig Venter, da empresa Synthetic Genomics, que tem a pretensão de produzir a primeira bactéria em laboratório. Ou seja, a manipulação biológica sintética está industrializando a manipulação da vida em laboratório, seja para produzir energia, seja para aumentar a produção de alimentos envenenados com agrotóxicos ou para disseminar mosquitos no ambiente. A ficção científica, do Frankenstein virou realidade. Imaginem uma tropa especial de marines imune a mosquitos, com proteção contra o calor, com bactérias no intestino que transformam capim em energia. Não é o máximo?

Enquanto isso, na América Latina, na África, na Ásia as populações padecem com a falta de saneamento, de água, de focos de mosquito, de lixo por toda a parte, com o desmatamento, o aquecimento global, as campanhas de saúde pública com inseticidas vencidos, que não abalam as novas gerações de mosquitos. Em 1996, o governo Fernando Henrique lançou um Programa de Erradicação do Aedes Egypti. Jogaram 4.937 toneladas por ano de temefós, um organofosforado, ainda recomendado pela Organização Mundial de Saúde, que tem uma Comissão de Avaliação de Pesticidas, sempre de acordo com a indústria de agrotóxicos.

Em 200 a FUNASA registrava resistência dos mosquitos

A pesquisadora Maria Eliane Bezerra de Melo, do Centro de Ciências de Saúde, da Universidade Federal de Pernambuco tem uma tese sobre a investigação de “genotoxidadede larvicidas biológicos e sintéticos utilizados para o controle do Aedes Aegypti”. Um trecho da pesquisa:

“- Em 1999 já eram registrados alterações de suscetibilidade do aedes ao Temefós em 19 municípios de São Paulo dos 69 investigados, conforme relatório da Fundação Nacional de Saúde do ano 2000. Foram substituídos pelo larvicida biológico da bactéria Bacillus Thurigiensis israelense. Entre 2000 e 2002 foram adquiridos 550 toneladas de BTi”.

Uso continuado por três décadas de milhares de toneladas de compostos organofosforados – ésteres de ácidos fosfóricos e tio fosfóricos –em sistemas agrícolas, florestais e urbanos tornou evidente sérios problemas. “O surgimento da resistência ao DDT provocou ações agravantes: aumento das doses aplicadas, produção de novas moléculas, outros organoclorados, organofosforados, carbamatos, peretroides, todos igualmente não seletivos e capazes de induzir resistência aos insetos. Os danos causados à saúde humana ficaram restritos aos efeitos agudos, a extensão desses danos é pouco conhecida, sobretudo no que concerne aos efeitos crônicos”, argumenta a pesquisadora da UFPE.

Pesquisadora da USP – eu apostaria em pesticidas

Para encerrar a opinião da pesquisadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, especialista em toxicologia e fisiopatologia, Mariana Matera Veras, em entrevista ao site Setor3, do SENAC-SP:

“- Talvez esse alarmismo da imprensa seja para tentar segurar e motivar as pessoas a fazerem a sua parte. A minha opinião é que não dá para afirmar que todos os casos de microcefalia sejam causados pelo vírus zika transmitido pelo mosquito. Eu apostaria hoje em pesticidas. É uma área em que atuo e estudo e o uso no Brasil é excessivo e sem um controle rigoroso, principalmente e coincidentemente nas regiões com maior incidência de microcefalia”.

Um esclarecimento: no comunicado da Organização Mundial de Saúde de 22 de março desse ano, a diretora Margareth Chan deixou claro o seguinte:

“- Os perito da OMS avaliaram o potencial de cinco novas ferramentas para controle do mosquito Aedes Aegypti. Nenhuma foi julgada pronta para implementação em larga escala. Recomendaram a implantação de duas, das cinco citadas: controle microbiano usando bactéria Wolbachia – testada pela Fiocruz-, de patógenos humanos em mosquitos adultos e manipulação genética para reduzir a população de mosquitos.”

A recomendação é que sejam cuidadosamente planejadas. A Intrexon tem divulgado no mercado que a OMS deu um parecer positivo para o mosquito transgênico. E os técnicos vendedores da Oxitec estão visitando as cidades com surtos de dengue para vender a proposta, como aconteceu recentemente em Campo Grande (MS). E não aceitaram.

Manipulação sintética: nova arma biológica para combater mosquitos

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-