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terça-feira, 23 de abril de 2024

México é laboratório de reestruturação mundial na área da comunicação

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02/10/2014 09h05 – Atualizado em 02/10/2014 09h05

Fonte: Brasil de Fato

No marco da sessão sobre livre co­mércio, violência, impunidade e direitos dos povos no México, o Tribunal Perma­nente dos Povos (TPP) realizou, na Ci­dade do México, a audiência temática fi­nal sobre desinformação, censura e vio­lência contra os comunicadores, respon­dendo a uma solicitação de atenção, de­núncia e justiça formulada por uma am­pla rede de associações, movimentos de jovens, trabalhadores da comunicação e jornalistas, representantes do mundo acadêmico, de meios de comunicação li­vres e rádios comunitárias.

Os elementos da estratégia dos movi­mentos sociais, expressados nas audiên­cias do TPP, priorizam o respeito aos di­reitos humanos e à igualdade dos direi­tos. Nestas estratégias os jurados encon­traram formas diversas de ação política como as lutas e as resistências – sob a consigna de “resistir é criar” –, a reivin­dicação de políticas públicas de igualda­de, a busca de uma alternativa ao pen­samento hegemônico, práticas concretas de emancipação. Ali existem novas con­cepções: o rechaço das desigualdades e das formas de dominação, o respeito à natureza, à gratuidade, aos bens comuns e aos serviços públicos, a democratiza­ção dos meios de comunicação, a prote­ção contra a repressão, o rechaço à cri­minalização.

Em seu diagnóstico, o TPP assinala que o México joga um papel de cobaia muito grave na evolução mundial: trata­-se de uma estratégia conduzida em es­cala mundial para impor um monopó­lio de poder. As audiências do tribunal permitiram identificar os elementos que compõem essa estratégia mundial de violação dos direitos de liberdade de ex­pressão e de acesso à comunicação.

Entres estes somam-se o controle dos meios de comunicação pelo capital fi­nanceiro associado ao capital interna­cional; o monopólio das telecomunica­ções; a subordinação do poder político ao poder financeiro; a redução do papel social e protetor dos direitos e das liber­dades dos Estados; as políticas econômi­cas e sociais neoliberais; a implantação ilimitada de um pensamento hegemôni­co de violação das liberdades individuais e coletivas e dos valores da igualdade das pessoas; a criminalização dos movimen­tos sociais, a infiltração das redes mafio­sas; a instrumentalização do terrorismo: a intimidação que chegou a mais de uma centena de assassinatos de comunicado­res profissionais e populares.

O tribunal ressaltou que a preeminên­cia deste modelo econômico no México, o “semiocapitalismo”[capitalismo semi­ótico], expressa-se na relevância integral que o duopólio possui sobre o conjun­to da economia mexicana, assim como no crescimento constante experimenta­do pelo setor da chamada “informação de meios de comunicação massivos” no conjunto do Produto Interno Bruto do México, que acrescenta ao impacto eco­nômico e ao volume de negócios do con­junto das indústrias culturais no país.

Desta forma, o México funciona como um laboratório paradigmático na confi­guração de um processo geral de rees­truturação do modelo de acumulação do capital que não somente descansa em uma liberalização e privatização da es­fera midiática, mas também põe de ma­nifesto a tendência paulatina do capita­lismo de recombinar seus núcleos de po­der nas estruturas de produção de bens e serviços materiais, com a relevância econômica cada vez maior das estrutu­ras produtores de signos, subjetividade e sentido, sobretudo, no campo da comu­nicação midiática.

O tribunal assinalou que o monopólio midiático sobre a produção e circulação de informação não somente descansa em uma aliança explícita entre o poder político e o poder econômico, senão que converte a atividade midiática em um fluxo constante de legitimação do mode­lo econômico imperante e de estigmati­zação de todo sujeito ou projeto que se desvia com uma prática e uma racionali­dade que difere do discurso dominante. Esta pauta midiática deixa a sociedade indefesa frente a um único discurso de verdade que, longe de apresentar um ca­ráter democrático, determina a existên­cia de um ecossistema midiático de ín­dole claramente totalitária.

Dos canais de televisão, 92% estão em mãos do duopólio televisivo mercan­til Televisa-TV Azteca, que além de tu­do possui publicações impressas, edito­riais, portais de internet, serviços tele­fônicos, canais a cabo e via satélite, cas­sinos, bancos, casas financeiras de em­préstimo, e associa a muitas outras em­presas de atividade financeira e especu­ladoras da Bolsa de Valores.

Mais que cidadão, consumidores

O tribunal destacou que a evolução do setor midiático e das indústrias culturais em seu conjunto põe de manifesto que a produção de subjetividade não constitui unicamente o suporte ideológico para a reprodução do modo de produção impe­rante, senão que cada vez mais se está convertendo em um objeto fundamen­tal do mesmo: as indústrias midiáticas no México vão até o ponto que a produ­ção de subjetividade e de comunicação se mercantiliza para converter-se em es­paço de valoração e de negócio.

A transformação dos cidadãos, como usuários e produtores da comunicação e da informação midiáticas, em meras audiências e consumidores, lhes nega a participação na tomada de decisões e na configuração da qualidade dos conteú­dos midiáticos.

No contexto de uma destruição gene­ralizada do tecido social do país, o ecos­sistema midiático e de comunicação se vê afetado de maneira alarmante e dra­mática por uma violência que possui um caráter dual. Por um lado, uma violência direta contra a liberdade de expressão e de informação que toca de maneira mais dolorosa aos profissionais do jornalismo e aos cidadãos que participam do deno­minado terceiro setor da comunicação, fundamentalmente iniciativas de comu­nicação social de natureza comunitária.

E, por outro lado, uma violência sim­bólica que impõe um discurso, umas narrativas midiáticas e uns imaginários que disseminam na sociedade valores, formas de subjetivação, modos de vida e inclinações éticas, em definitivo, uma cultura, afim ao modelo econômico im­perante e aos regimes de existência que este impõe.

Após escutar e analisar a denúncia do­cumentada por organizações e movi­mentos sociais (camponeses, indígenas, de trabalhadores, acadêmicos e jovens) apresentada na audiência, o tribunal dei­xou claro que a problemática da falta de acesso à informação – e de exercer o di­reito humano à informação –, a concen­tração duopólica dos meios massivos e a contínua violência contra os comunica­dores afeta muito gravemente os direitos individuais e coletivos dos mexicanos.

A reforma do Estado e a recente alter­nância política no governo (2000-2012) não mexeram nesta concentração: os go­vernos, os partidos políticos, os legisla­dores (por conseguinte, as leis) estão su­bordinados a interesses do duopólio Te­levisa-Televisión Azteca, consolidado com os tratados de livre comércio.

Considero que a brecha social se acres­centa em um país de enormes desigual­dades, que combina o homem mais rico do mundo e 50 milhões de pessoas ca­rentes das condições mínimas de sobre­vivência. Um país que presume a diver­sidade cultural e leva adiante políticas de aniquilamento de seus povos originá­rios, uma nação referência por suas lu­tas sociais, que hoje criminaliza e elimi­na todo o tipo de protesto cidadão.

O tribunal assinalou que o México tem carecido e segue carecendo de uma re­gulação normativa incluidora de todos os setores sociais em matéria de direitos humanos à informação, à liberdade de expressão e à comunicação, onde persis­te a aplicação de leis que alentam um es­quema corporativo monopólico, que por sua vez criminalizam manifestadamente os cidadãos, as organ
izações, comunida­des e povos que lutam por seus direitos.

Afirmou que a violência contra a im­prensa tem se manifestado em ataques a meios de comunicação com explosivos e armas de alto poder; desaparecimen­tos de jornalistas profissionais e popula­res; o deslocamento e/ou o exílio de co­municadores por ameaças diretas; auto­censura dos meios e infiltração de gru­pos delitivos nas próprias redações; ve­xações, assassinatos e desaparecimento de mulheres jornalistas; ataques a usu­ários de redes sociais que difundem in­formações sobre a violência e toda a for­ma de agressões físicas e psicológicas que tendem a semear o temor entre os comunicadores.

Recordou que, por tudo isso, a Relato­ria de Liberdade de Opinião e Expressão da ONU considera o México como o país mais perigoso para exercer o jornalismo no continente.

Até hoje, no decorrer do século, segun­do a Procuradoria Geral Mexicana, 102 jornalistas foram assassinados, 18 desa­pareceram e há um número impossível de identificar de deslocados e/ou obriga­dos a ir para o exílio. Os assassinatos de jornalistas dobraram durante o governo de Felipe Calderón (2006-2012), quan­do a aplicação de uma estratégia bélica de segurança deixou 60 mil pessoas as­sassinadas e 10 mil desaparecidas. A is­to soma-se o aumento de assassinatos e agressões de defensores humanos, em um país onde se estenderam zonas de silêncio forçado, as quais os grupos de delatores decidem o que se publica nos meios de comunicação.

O tribunal levou em consideração que mais da metade das denúncias apresen­tadas pelas organizações de defesa da li­berdade de expressão assinalam que os responsáveis pelas agressões contra jor­nalistas foram identificados como agen­tes estatais – militares, policiais, auto­ridades locais – e que 13% provém do crime organizado, no país onde a apro­vação de mecanismos institucionais de proteção a jornalistas não tem contido a escalada de violência contra comunica­dores e muito menos a impunidade dos agressores, que é constante durante as últimas três presidências. Nos primei­ros nove meses de 2014 documentaram­-se 201 agressões a jornalistas, uma mé­dia de uma a cada 28 horas.

Destacou, assim mesmo, que a dois anos de criada a Lei de Proteção a pes­soas defensoras de direitos humanos e jornalistas, o mecanismo não atuou e os indicadores revelam um incremento de agressões e ameaças – físicas, psicoló­gicas, legais e cibernéticas – que põem em perigo a integridade física, moral e fi­nanceira dos jornalistas, já não somente sob o mando do crime organizado, senão também por ações ordenadas e executa­das por autoridades locais, estatais ou fe­derais contra trabalhadores da imprensa e pessoas que lutam pela liberdade de ex­pressão e pelo acesso à informação.

Tomou nota do ocorrido nos últimos 20 meses, quando 11 jornalistas foram assassinados nos estados do centro-sul e noroeste do país (dois em Tamauli­pas e Oaxaca, um em Zacatecas, Guerre­ro, Veracruz, Sinaloa, Coahuila, Puebla e Chihuahua), e que em 21 dos 32 esta­dos denunciou-se agressões físicas, rou­bo ou destruição de equipes, detenções arbitrárias de jornalistas enquanto rea­lizavam seu trabalho, ante à inatividade das autoridades responsáveis da preven­ção da violência.

De 2002 a 2013 foram registrados e documentados 180 casos de violência contra mulheres jornalistas, 60% destes cometidos por servidores públicos, ad­ministrativos e policiais, incluído o cri­me de feminicídio.

Aram Aharonian é jornalista e profes­sor uruguaio-venezuelano, diretor da revista Question, fundador da Telesul, diretor do Ob­servatório Latino-americano em Comunicação e Democracia (ULAC). Participou como jurado do Tribunal Permanente dos Povos na audi­ência final, na temática sobre Desinformação, Censura e Violência contra os Comunicadores, realizada na Cidade do México, de 17 a 19 de setembro de 2014.

México é laboratório de reestruturação mundial na área da comunicação

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