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terça-feira, 23 de abril de 2024

Pais de estudantes desaparecidos no México esperam notícias e cobram justiça

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21/11/2014 14h15 – Atualizado em 21/11/2014 14h15

Fonte: ABr

Desde o desaparecimento do filho, a dona de casa Isabela Arcaráz, 50 anos, não dorme direito. “Quando, enfim, consigo dormir, eu acordo assustada com o meu filho gritando o meu nome, no escuro”, diz a mãe de Bernardo Flórez, 21 anos, um dos 43 estudantes desaparecidos em setembro no México, em um episódio até agora não esclarecido e que chocou o mundo.

“Agora, que tivemos o Dia dos Mortos, foi uma sensação de desespero ver as oferendas para os que já se foram, porque não queremos acreditar que nossos filhos morreram. A gente ainda espera que eles regressem com vida”, conta, enquanto ajeita as oferendas com flores, frutas e pães deixadas para estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa mortos em massacres em anos anteriores.

No dia 26 de setembro, alunos deixaram a escola rumo à capital do país para participar de uma marcha, marcada para o dia 2 de outubro. A atividade marcaria o aniversário do Massacre de Tlatelolco, em 1968, quando de 200 a 300 estudantes foram mortos pela polícia durante um protesto.

Para ir à Cidade do México, eles “apreenderam” um ônibus privado – que também serviria para arrecadar subsídios (comida e dinheiro) para atividades acadêmicas. Quando passavam pelo município de Iguala, os alunos foram surpreendidos por uma violenta ação da polícia local. Testemunhas afirmam que civis encapuzados – homens ligados ao grupo criminoso Guerreros Unidos – também participaram da repressão aos estudantes. No episódio, seis pessoas morreram, 25 ficaram feridas e 43 jovens desapareceram.

O caso chocou os mexicanos e chamou a atenção da comunidade internacional. Dias depois, 22 policiais foram presos acusados de terem participado da ação.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) assumiu a investigação sobre o desaparecimento dos jovens e acusa o ex-prefeito de Iguala José Luis Abarca e a mulher dele, Maria de los Ángeles Pineda, de serem os mentores do crime. As investigações apontam que o ex-prefeito e a mulher temiam um protesto de estudantes em evento planejado pela primeira-dama. Os jovens que sobreviveram ao ataque negam interesse em fazer uma manifestação na cidade, mas têm duras críticas ao prefeito, a quem acusam de ter matado, em maio deste ano, Arturo Hernández Cardona, líder de oposição na região.

Abarca e sua mulher foram presos na primeira semana de novembro, acusados de formação de quadrilha, sequestro e homicídio culposo.

Integrantes do Guerreros Unidos foram presos e, de acordo com o Ministério Público, confessaram a participação no assassinato dos jovens dizendo que os corpos foram enterrados em “narcofossas” – covas clandestinas próximas a Iguala.

A PGR diz que a investigação segue aberta e que os jovens ainda são considerados desaparecidos. Já os pais e as mães dos alunos estão dispostos a continuar as buscas pelos filhos vivos, enquanto os corpos não forem encontrados.

Desde o desaparecimento dos jovens, os pais, a maioria camponeses da região, passam boa parte do tempo na escola rural. Um grupo compõe uma comissão que assumiu a função de interlocutora com a sociedade civil e o governo do México.

Isabela, mãe de Bernardo, fica sempre na escola. “A parte de ir às audiências e reuniões para falar do meu filho fica com meu marido”, diz. O casal deixou os outros filhos com parentes no pequeno sítio em que vivem para investigar o paradeiro de Bernardo. Ela mostra a foto do rapaz e, orgulhosa, diz que ele era trabalhador. “Ele estava muito feliz de estudar aqui porque já estava aprendendo coisa útil. Nas férias, ia para casa para ajudar o pai a semear e gostava de ensinar as coisas que aprendeu aqui”, relembra.

Na escola, as aulas foram suspensas e os alunos acompanham os pais dos estudantes desaparecidos nas manifestações e na peregrinação para tentar esclarecer os fatos e encontrar os rapazes.

No dia em que a Agência Brasil visitou a escola, uma parte dos pais havia viajado a Chilpancingo, capital do estado de Guerrero. A reportagem acompanhou a viagem e, na cidade, o clima também era de protesto, com a praça central ocupada por professores acampados. “Estamos aqui pelos alunos que desapareceram. E estamos paralisados até que o governo assuma a responsabilidade pelo que aconteceu”, afirmou o professor Saturnino García.

A Escola Normal Rural de Ayotzinapa é gratuita e tem cerca de 500 alunos em regime de internato. Para conseguir subsídios para manutenção da escola, os alunos fazem o que chamam de “arrecadação” – saem em grupo para conseguir dinheiro e mantimentos com comerciantes locais.

Os alunos dizem que a ação não é coercitiva. “Não usamos armas, mas pressionamos em grupo porque precisamos disso para manter a escola funcionando”, conta um estudante.

Outra prática comum nas atividades realizadas para arrecadar alimentos e fundos é o uso de ônibus de empresas privadas da região. “Nós paramos os ônibus e conversamos com os motoristas. Pedimos para os passageiros descerem e o motorista nos leva onde precisamos ir”, explica um aluno da escola.

“Se as empresas perdessem dinheiro, com certeza, já teriam procurado a Justiça. Mas isso nunca foi feito”, diz Javier Monroy, da Oficina de Desenvolvimento Comunitário e diretor do Comitê de Familiares e Amigos de Sequestrados, Desaparecidos e Assassinados em Guerrero.

A camponesa Magdalena Olivares, 40 anos, mãe de Antonio Santana, 20 anos, aluno do 1º ano, está com os filhos pequenos na Escola de Ayotzinapa à espera de notícias sobre o paradeiro do filho. “Já disseram que eles foram assassinados, mas queremos respostas e a punição de quem fez isso”, destaca. “Nada justifica o que fizeram com eles”, condena.

Magdalena diz que Antonio gostava muito de trabalhar e que, antes de chegar à escola, tinha atuado como padeiro e pedreiro. “Ele passou no exame daqui e o sonho dele era ser professor agrícola. É um menino honesto e inteligente”, defende.

Para ela, o episódio com os estudantes foi a “gota d’água” de uma situação que sempre se repete. “Já faz tempo que vivemos em uma terra sem lei. No México já aconteceram muitas coisas e ficamos calados. É hora de lutar por um México melhor.”

Tradicional celebração do Dia dos Mortos no México. Na foto, oferendas aos estudantes da Escola de Ayotzinapa mortos em massacres  em anos anteriores Leandra Felipe/Agência Brasil

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