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sexta-feira, 29 de março de 2024

A carne é fraca

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20/03/2017 09h55

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

Eu nasci e, praticamente, me criei em Amambai. Aqui estão minhas raízes, minha história, ou como diz minha mãe “está enterrado meu umbigo”. Quando fui embora, busca opção de estudo que não havia aqui na época, sempre tive certeza que, se precisasse, tinha para onde voltar. Voltei, não por precisar, mas por desejo mesmo, de estar com os meus pais até o fim deles (ou meu, ninguém sabe a ordem da vida). Uma parte já fiz. Fiquei com pai até ele partir. Agora fico com mãe. Espero que fiquemos muito tempo ainda, sendo família, em Amambai.

Cresci tomando leite tirado da vaca, na hora, na caneca, fazia até uma espuma de leite, quente ao natural, sem aditivos. Hoje nem tomo mais leite, afinal esse leite de caixa ou de saquinho não tem gosto de nada. Aqui em Amambai ainda compro leite in natura, mesmo sendo proibido a venda a gente ainda acha. Proibiram por alegavam que não cumpriam as normas de sanidade. Aí vejo matérias que tem leite com soda caustica rolando no mercado. Esses sim seguem as normas da sanidade do capitalismo, que prima pelo lucro e não pela saúde das pessoas.

Cresci comendo carne que a gente mesmo criava. Vaca era matada pelos adultos e dividida entre duas ou três famílias. Era tarefa nossa, dos mais novos, passar o dia cortando carnes para fazer linguiça. E tinha que ser rápido, para não estragar. Sempre tinha uma tia coordenando, e dê-lhe faca, cortando em cubos pequenos a carne que seria enfiada na tripa da própria vaca para virar linguiça. Ninguém morria de trabalhar e, tirando pequenos cortes nos dedos, era tudo saudável. Porco a gente criava no quintal. Além da carne da banha, tínhamos ainda o sangue para fazer a morcilha. Quantas vezes matamos porco no quintal. Era uma festa, um mutirão. E a gente comia o dia todo. Até hoje sinto saudade da carne guardada na lata, pura gordura, e a gente era saudável. Galinha tinha aos montes. Torcer pescoço das aves era uma diversão meio mórbida, torcia o pescoço e soltava para que ela esperneasse até a morte. Coisa meio macabra para uma criança, mas era assim, e nem por isso virei um assassino serial.

O capitalismo comercial veio e disse que tudo isso era anti-higiênico, não saudável, poderia fazer mal. E nos deram as carnes industrializadas. Agora descobre-se o que os mais espertos já sabem faz tempo, a carne não é bem carne, o leite não é bem leite… o que mais se descobrirá?

Estou com receio até de tomar tereré. Sabe-se lá o que tem na erva.

Mas ainda sigo, acreditando na agricultura familiar e na produção agroecológica. Mas vou mordendo cada coisa com mais desconfiança. Vou olhando cada pessoa com um pouco mais de cinismo. Afinal, a carne é fraca.

O autor é filósofo e escreve semanalmente nesta coluna

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