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sábado, 20 de abril de 2024

A primeira vez a gente nunca esquece?

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01/02/2016 07h00 – Atualizado em 01/02/2016 07h00

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

“Recordar…
palavra bonita que quer dizer
visitar de novo aquilo que
o coração guardou”
(Rubem Alves).

Ouvi a vida toda a expressão “a primeira vez a gente nunca esquece”. Acho-a muito forte, afinal nunca é tempo demais. Coloquei-me a pensar nas coisas e suas primeiras vezes. Algumas são de fato inesquecíveis, outras nem tanto…

Esqueci o primeiro livro que li, não faço ideia de qual foi, mas deve ter sido muito bom, afinal nunca mais parei de ler, e se fosse ruim talvez não motivasse a pegar o próximo. Mas não esqueci a primeira vez que li “Se Houver Amanhã”, do grande Sidney Sheldon, lá pelos meados de 1986. Até hoje a frase de Tracy Whitney, ao final do capitulo 6, fica na cabeça em situação de revolta: “Faria com que todos pagassem. Até o ultimo. Não tinha ideia como. Mas sabia que o faria. Amanhã, pensou ela. Se houver amanhã”. E que prazer chegar em uma loja de departamento e encontrar uma edição nova, baratinha. Acabei comprando todos os do autor que haviam em promoção.

Nunca esqueci o primeiro cachorro que tive, o Leão. Ele estava em casa quando eu nasci e ficou até os meus 8 anos. Era meu companheiro de fugas. Era um Collie, treinado no manejo de gado, e virou meu capacho. Adorava dormir sobre os pelos longos do leão, que me cuidava, ninguém colocava a mão em mim se eu estivesse com ele. Claro que não lembro de tudo isso, mas é o que me contam. Nunca esqueci também a tristeza no dia da morte do Leão. Estamos os quatro de casa tomando chá (aqui em casa café foi entrar depois de adulto, chá era mais barato), ele entrou na cozinha, coisa que nunca fazia, cheirou um por um, saiu e deitou atrás da privada no fundo do quintal. Não levantou mais. Esse amor incondicional de cachorro é inesquecível. Tanto que até hoje adoto cães. Hoje são dois.

Esqueci completamente da primeira aula na faculdade. Nem sei de que matéria foi e nem qual professor. Mas nunca esqueci a emoção de entrar na faculdade, isso em tempos anteriores a ENEM, SISU e demais oportunidades que temos hoje. Era impensável um filho de carpinteiro e de costureira, saindo de escola pública em Amambai, entrar na Universidade Federal. E lá estava eu, no CEUD, que é o antecessor da UFGD, em Dourados. Cursando matemática (não foi a opção desejada, mas foi a única possível pois teria que ser de dia, já que eu trabalhada das 20h às 06h). Não lembro de nenhum professor, de poucas matérias, mas nunca esquecerei o clima de afirmação, de dizer que eu também podia estar naquele ambiente.

Nunca esqueci a primeira viagem de avião. Campo Grande-São Paulo-Florianópolis. Participar de etapa regional de um concurso de redação que havia na época, lá por 1989. Não lembro das pessoas que estavam por lá, nem do que escrevi na redação, mas é inesquecível ter entrado em um avião e ter voado. Nem posso esquecer a sensação de ver o mar. Senti-me pequeno, impotente e incapaz perante a grandeza e a força do mar. Foram inúmeras viagens de avião depois, mas sempre que eu embarco em um, vem a primeira viagem a cabeça.

Nunca esqueci a primeira vez que fui a Europa. Nervosismo total, afinal desembarcar na Itália, sozinho, sem falar uma palavra em italiano e sem conhecer nada, mas nada mesmo do país. E olha que isso já foi em 2001. E ainda para tornar essa lembrança marcante, a empresa aérea Alitalia perdeu minha mala. Fiquei uma semana em reunião do conselho internacional da FoodFirst Information & Action Network com duas camisetas, uma calça e duas cuecas. Usava de dia e lavava a noite. A calça preta suportou até a volta. Minha mala só foi aparecer em casa, já em Goiânia, toda rasgada.

Não me lembro de qual o primeiro DVD que comprei. Tenho uma pequena coleção de uns 3000 exemplares. Mas nunca esquecerei o dia que entrei numa loja, em Campo Grande, e comprei meu primeiro CD. Eu nem tinha aparelho de reproduzir CD, mas vi um do Cazuza que foi irresistível. Ficou uns dois meses guardado, sem ser ouvido, até comprar o primeiro aparelho de som. Tenho esse CD até hoje.

Só se torna inesquecível aquilo que nos marca, aquilo que nos toca de uma forma ou de outra. Lembro bem da primeira professora, da primeira bicicleta, do primeiro beijo. Para ser eterno na memória tem que marcar o coração, afinal recordar, como bem disse Rubem Alves, é passar de novo pelo coração. Re cordis.

Luiz Peixoto – Filósofo. Escreve semanalmente nessa coluna

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