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quinta-feira, 28 de março de 2024

Eu gosto de segunda-feira!

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03/08/2015 16h39 – Atualizado em 03/08/2015 16h39

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

“Liberdade é pouco.
O que eu desejo ainda não tem nome.”
(Clarice Lispector)

Muita gente que conheço, praticamente a maioria, não gosta da segunda-feira. Nunca entendi bem o porquê. Eu sempre gostei. Gosto da sensação de poder recomeçar, de ir de volta à luta, ao batente. De rever os rostos dos companheiros e companheiras de trabalho, de estar de novo com meus estudantes, de voltar à vida ativa.

Existem diversas possibilidades da origem desse meu gostar pelas segundas… nenhuma comprovada cientificamente. E daí? A ciência nunca explicou o gostar. Gosto e desgosto cabem nas esferas da metafísica, muito além da explicação racional.

Gosto de segunda-feira porque, quando criança pequena, era o dia de ficar livre de novo. Ficar em casa só com a mãe. O pai sempre foi mais severo, limitava a nossa bagunça, impondo sua presença autoritária no domingo todo. Esse desenho de família feliz que brinca junto, que se diverte aos domingos, não foi a minha realidade. Domingo era o dia dos adultos, de ter que servir tereré para as visitas, e não tomar. Naquele tempo, criança só tomava tereré depois que que todos os adultos tivessem parado de tomar, ou como se diz na roda de tereré, tivessem agradecido. Não culpo meu pai pela secura e falta de carinho. Ele é fruto de uma vida brutalizada pela luta no trabalho e na vida para sobreviver. Apenas era assim. Na segunda-feira a gente voltava a liberdade de ser dono da casa, afinal a mãe passava o tempo todo na costura, na dela, sem muito espaço também para carinhos e cuidados, isso nos deixava soltos, livres. Fui criança assim.

Gosto de segunda-feira porque, quando entrei na escola, descobri que havia um mundo para conhecer, um mundo de possibilidades. Teoricamente a escola é o espaço da socialização, de aprender a conviver em grupos. Nunca fui muito sociável, creio que desde criança fui antissocial. Mas era bom estar na escola. Havia sempre uma professora que entre broncas, tinha ao menos um gesto de atenção com cada um e cada uma na sala de aula. Não lembro de nenhum colega de sala de aula, a não ser a minha irmã, que por anos seguimos juntos na mesma série. Mal lembro do nome das professoras, quem dirá dos rostos. Não foi isso que ficou. Sempre penso que faltou alguma coisa na metodologia, na ação educativa, para marcar o eu criança. Mas ficou sim a sensação de um mundo grande, meio assustador, meio desafiador, para conhecer, viver e aprender a sobreviver. Eu aprendi, com todos e apesar de todos.

Gosto de segunda-feira porque ainda adolescente comecei a trabalhar. Oficina mecânica, lanchonete, farmácia, cobrador de loja, servente de pedreiro. Odiava os trabalhos, mas gostava muito de sair de casa na segunda-feira e começar a semana trabalhando. Afinal para quem nasce pobre, poder ganhar um dinheirinho trabalhando é libertador. E falo em dinheirinho mesmo, pois vivi uma coisa sui generis, recebia meio salário mínimo em uns serviços, um terço de salário mínimo em outros (até hoje não entendo como pode haver meio mínimo, afinal se é o mínimo, não pode existir nada menor, ou pode?). Já nessa época surgiu o grupo de jovens, a participação na comunidade católica e a inserção social. A partir disso, poucos domingos foram à toa. Atividades constantes nas Comunidades Eclesiais de Base. Analisando hoje, depois de quase 30 anos, parece-me muito mais um mecanismo de fuga de casa do que ações motivadas pela fé. Mas valeu tudo o que vivi. Me levou a ser o que sou.

Depois veio o tempo de faculdade. Tive minhas crises com as segundas-feiras. Afinal eu passava todo o fim de semana trabalhando, era articulador da pastoral da juventude estadual, e tinha que estar na aula as 7h de segunda-feira, um absurdo. Mas também tive crise com todos os dias da semana. Sempre adorei ler, mas ler obrigado, para fazer prova, corta o tesão pela leitura. Mas sobrevivi. E voltei a gostar. Afinal todo relacionamento tem seus momentos de crise.

Gosto de segunda-feira. Hoje em dia mais que nunca. Desde que me tornei educador, que passei a atuar como professor, a segunda-feira criou cara de alegria. Dizem por ai que quem faz o que gosta, não trabalha, se diverte. Eu me divirto trabalhando. Por isso a segunda-feira tem cara de diversão, de voltar a brincar com o conhecimento, que é brinquedo especial por nunca ser repetitivo, por ser possibilidades de criação e recriação da vida e das dúvidas. Ainda creio que são as dúvidas que movem o saber e não as certezas. As certezas são freios. Quem sabe, não aprende mais, paralisa o conhecimento, para de viver e passa só a existir. Por isso gosto de segunda-feira, sempre tem coisas novas a aprender, a conhecer, a ver. Isso me renova.

Segunda-feira, Monday em inglês, Lunes em espanhol, Montag em Alemão, se remete sempre à Lua ou ao Dia da Lua. Miticamente a lua acende os sentidos, fortalece os instintos, não por acaso sua associação à maré, ao lobisomem, à paixão… segunda-feira é dia de soltar os lobos, de voltar à alcateia da vida e de perceber que, as coisas boas e ruins da semana anterior, não morreram no fim de semana. Apenas se renovaram, para que a gente possa tocar tudo de novo, diferente e igual, vivendo e sendo motivo de vida para outros.

Pode ser que eu não seja tão normal, mas por isso mesmo, gosto das coisas pela segunda vez. A primeira pode ser no susto, no impulso. A segunda vez é por opção. Gosto da segunda oportunidade, do segundo beijo, do segundo abraço, do segundo livro… da segunda-feira.

A partir desta semana, o jornal eletrônico Amambai Notícias estreia uma nova coluna – Crônicas de uma Alma Solta, do professor Luiz Peixoto, que abordará temas diversos da atualidade, a partir de suas conjecturas e reflexões acerca da sociedade.

Luiz Peixoto é Filósofo por formação. Cidadão Amambaiense por nascimento. Professor por opção. Educador por principio e pensador…. por necessidade….

Eu gosto de segunda-feira!

Luiz Peixoto

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