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terça-feira, 23 de abril de 2024

Músicas, valores e machismo…

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02/11/2015 07h00 – Atualizado em 02/11/2015 07h00

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

Quem não ouve a melodia
acha maluco quem dança…”

(Oswaldo Montenegro)

Desde que me lembro por gente eu gosto de música. Em diferentes fases da minha vida, várias músicas fizeram parte da minha história. Como não lembrar da voz marcante da Rosana, cantando “Aqui nesse lugar, não há rainha ou rei, há uma mulher e um homem, trocando sonhos fora da lei”, ou ainda da Kátia, com sua suavidade, “Todo dia ao amanhecer, quanto mais tento te esquecer, mais me lembro, não tem jeito”. Isso em tempo de fita K7, aparelho ruim, e som de péssima qualidade, e essas eram as músicas bregas da época. Com o tempo e a prática o gosto musical foi sendo apurado. Conheci o mundo, e nesse mundo, outras vozes e outros estilos.

Com Cazuza descobri a poesia no rock nacional: “Pra que usar de tanta educação, pra destilar terceiras intenções, desperdiçando o meu mel, devagarzinho, flor em flor, entre os meus inimigos, beija-flor”. Passei a ter um respeito e uma admiração enorme pela Legião Urbana. Como não refletir ouvindo isso: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há”? ou ainda “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação… que pais é esse.”. Me encantei com a arte e a delicadeza da Maria Bethânia cantando “Para viver em estado de poesia, me entranharia nestes sertões de você. Pra me esquecer da vida que eu vivia, de cigania antes de te conhecer, de enganos livres que eu tinha porque queria, por não saber que mais dia menos dia. Eu todo me encantaria pelo todo do seu ser”. Foi um tempo que a música me ensinou a acreditar, a ter esperança, a gostar do que é belo. Isso sem falar em Oswaldo Montenegro, Gal Gosta, Gil, Caetano, Chico, Elis… seriam tantos que nem em dez textos dariam conta.

Eu sempre tive paixão por dois cantores em especial. Um é Milton Nascimento: “Maria, Maria, é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta. Uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta”. Outra é Mercedes Sosa: “Gracias a la vida que me ha dado tanto. Me ha dado la risa y me ha dado el llanto. Así yo distingo dicha de quebranto los dos materiales que forman mi canto. Y el canto de ustedes que es el mismo canto. Y el canto de todos que es mi propio canto. Gracias a la vida”. A música sempre serviu de escudo frente a realidade dura e de inspiração para seguir lutando e acreditando. Ainda ressoa em meu ouvido a música do Chico que cantamos em 2006, depois de ver o PMDB assumir a prefeitura da Capital “Apesar de você amanhã há de ser um novo dia”.

Nos últimos anos perdi muito do meu encanto com as novidades musicais, existem boas coisas, mas a maioria me assusta. Sempre acreditei que a música, sendo poesia melodiosa, deveria exaltar e enaltecer as coisas belas e boas da vida, bem como denunciar e criticar as mazelas enfrentadas. Como acredito que opinião sem conhecimento é preconceito, parei uns dias para ouvir o que está na moda, tocando e fazendo a cabeça da moçada. Me assustei! A onda Funk, Funk Ostentação e Funknejo (sic) me deu uns arrepios de susto, são tantos palavrões, machismo, sexismo e incitação à violência que não me permito transcrever aqui nenhuma letra. Imagino um pai e um mãe ouvindo junto com os filhos e filhas adolescentes o “Bonde dos Menor” do MC Daleste ou ainda “Vem mamando a tropa” do MC Kevin… Aliás, nem quero imaginar…

A onda do Sertanejo Universitário me trouxe boas surpresas, vozes bonitas, algumas (poucas) músicas com letras elaboradas, poéticas. Por outro lado, uma maioria esmagadora de música onde a mulher é objeto e posse…

Nesse mês de outubro, em comemoração ao aniversário do Mato Grosso do Sul, começou a circular uma música da dupla Munhoz e Mariano, expoentes do Sertanejo Universitário, chamada “Estilo Sul-mato-grossense”, onde elogia e destaca as coisas boas do nosso Estado. Gostei quando vi o clipe na TV e resolvi escutá-la por inteiro. Sobre a “homenagem”, algumas considerações (são somente percepções, não sou crítico musical, apenas penso):

  1. “E eu vivo assim, no sistema bruto aqui é diferente. Eu sou um caipira, mas não inocente. Esse é meu estilo sul-mato-grossense” Refrão estilo chiclete, bem elaborado. Infelizmente reforça um preconceito que caipira, que quem é da roça, é inocente, esse “mas” deixa isso claro.

  2. “Sou de um estado, de clima quente, cultura rica, gente da gente, povo bonito, sempre contente, quem nos conhece, não se arrepende… Nas provas de laço rola um tereré. Mais tarde, fandango, bailão, caarapé. No nosso estado já explodiu. Só da MS em todo brasil”. Estrofe ótima, destaca as coisas típicas do Estado. Essa parte faz a letra valer a pena, simples, mas mostra bem o que tem de bom no Mato Grosso do Sul. Até perdoa-se o final ufanista.

  3. “O fim de semana tá começando, pega a cerveja, deixa gelando. Carne no espeto, fogo estralando. Deixa no jeito, que eu to chegando”. A cara da nossa gente. Vivo muito isso com os amigos. Liga-se, marca o churrasco e se reúne. Não é tão próprio do nosso estado, já fiz isso em Mato Grosso, em Goiás, no Distrito Federal, mas aqui é muito presente. Afinal no interior nossas opções de lazer são reduzidas, e se reunir com cerveja, churrasco, música e truco é uma ótima opção.

  4. “O carro socado de tanta muié. De tudo que é jeito, tem pra quem quiser. Tem loira, morena, tem grande, pequena. Só fica na seca se você quiser”. Pena! Estava indo tão bem! Não sei se gosto dessa “homenagem” às mulheres sul-mato-grossenses. Será que é sempre só chegar e pegar? Nossas mulheres não são objetos para a satisfação dos desejos masculinos e nem estão sempre e todas dispostas a tirar a sua “seca”. Reforça um estereótipo e um preconceito que violenta as mulheres.

Ouvindo outras letras no novo sertanejo, percebi que a mulher, em vez de ser exaltada, é geralmente humilhada. Como se fosse algo fácil, disponível. Basta chegar e pegar. Aprendi desde cedo que quem ama, cuida. Quem gosta, respeita. Quem quer bem, valoriza. Mas desde que ouvi pela primeira vez uma música do Grupo Tradição, na voz do Michel Teló, dizendo que “Ajoelha e chora, quanto mais eu bato nela, muito mais ela me adora”, tenho minhas ressalvas aos novos sertanejos. Mas talvez seja só eu. Talvez eu seja apenas um chato, criticando coisas sem importância. Mas eu persisto!

Miguel de Cervantes escreveu que “Onde há música não pode existir maldade”. Sorte que ele não ouviu as músicas mais tocadas no Brasil na última semana!

Luiz Peixoto é Filósofo, pós-graduado em Pedagogia da Alternância. Amambaiense. Professor e Educador.

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