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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Sobre Plantas e Educação

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24/08/2015 07h10 – Atualizado em 24/08/2015 07h10

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

“Todo jardim começa com uma história de amor,
Antes que qualquer árvore seja plantada
Ou um lago construído
É preciso que eles tenham nascido dentro da alma.
Quem não planta jardim por dentro,
Não planta jardins por fora
E nem passeia por eles.”
(Rubem Alves)

Desde criança eu gosto de plantas. Me intriga a mágica envolvida no processo. Uma semente minúscula, que manipulada com carinho, colocada em local propício, se metamorfoseia em muitas coisas. Ver a planta germinar, crescer, criar folhas, florir. É algo meio alquímico. Por lazer, sempre tive pelo menos uma planta em casa, no vaso, levando em conta que sempre mudei muito. Minha principal companheira vegetal é uma Jiboia-verde ou hera do diabo (Epipremnum aureum), que já tenho há vários anos. Com ela aprendi a arte de refazer o vaso de planta, de resgatar quando está em fim de vida, de renovar. Para quem não conhece, é uma trepadeira, de cor verde mesclada com branco, que vai se propagando onde toca, muro, varanda, árvores, tudo é suporte para ela. Com o tempo vai perdendo as folhas e ficando apenas no talo. Ai vem a arte de cultivá-la no coração. Se a pessoa está atenta, é só colocar um pedaço do talo em contato com a terra, que volta a enraizar, sem precisar cortar da planta mãe. É multiplicação. É renascimento. É, sim, magia.

Associo o cuidado de plantas (e de animais, mas sobre eles falarei em outro texto) com terapia e com a vida. Elas nos devolvem em beleza os cuidados que temos. Se formos relapsos, elas nos abandonam, se formos atentos, elas nos dão flores (e algumas, frutos). Aprendi isso meio que na prática. Tentei cultivar rosa em casa, um pé apenas, de uma rosa vermelha, suntuosa. Mas como passava semanas viajando a trabalho, sempre que voltava ela estava praticamente morta. Acabei desistindo. Assumo que a matei, por descuido, por ser menos amoroso que o “Pequeno Príncipe” de Exupéry.

Depois que conheci e comecei a devorar os livros de Rubem Alves, minha paixão por plantas ficou mais forte ainda. Ele me ensinou que uma planta nasce primeiro no desejo de tê-la. Tentei muito com orquídeas, sempre as desejei. E elas me ensinaram que desejar não basta, tem que ter talento e paciência. Orquídeas são plantas delicadas e que precisam de muito cuidado. Desisti rapidamente. Não tenho paciência suficiente para lidar com coisas (plantas e gente) que precisa de cuidado constante. Prefiro o que é mais rústico, mais independente. Hoje estou me dedicando às Onze-Horas (Portulaca grandiflora), planta simples e de beleza singela, que só exige cuidados mínimos. Assumo que aprendi a roubar mudas dessa planta, onde passo e vejo, um galhinho vem. E diz o conhecimento popular, que muda roubada nasce mais fácil.

Aprendi muito sobre educação cultivando flores e folhagens. Não são precisos efeitos mirabolantes, criações pomposas, shows em aula. Basta que a educação nasça no coração, no desejo de ensinar e aprender. Sou professor há mais de 20 anos, nem todos em sala de aula, mas sempre fazendo educação formal e popular. Sempre me incomodou a fixação que alguns professores tem em planejamento, em controle e em livro didático. Educação tem a ver com vida, com relação, com construção coletiva. Não com conteúdo, plano de aula e controle de sala. Aliás, sempre brinco com meus alunos que quem tem controle é televisão, gente tem que ter liberdade de ser e de se fazer gente. Educação não é tarefa mecânica, nem pertence exclusivamente ao ambiente escolar. Sem relação com a família, que é a responsável pela educação, a escola só gasta tempo da criança.

De novo Rubem Alves me ensinou. É preciso apender a separar o que é ferramenta, instrumento, do que é conhecimento. Conhecer é desejar. Desejar é fazer-se parte do mistério do saber. Um educador que não cria desejo, não acessa o conhecimento.

Me assusta e me incomoda os modismos em educação. Na nossa cidade de Amambai está em discussão um projeto de lei do executivo (18/2015) que objetiva recompensar através de premiação os estudantes com melhor desempenho, baseando-se em nota. Melhor nota ganha prêmio. Um projeto (Programa Amambai Destaque) que copia a ação do governo do estado, que os educadores que discutem educação, sempre questionaram. Digo os que discutem, pois muitos apenas “dão” aula. Sou contra premiação em bens materiais (o projeto prevê computadores, tabletes, bicicletas etc.).

Quando olho para as minhas plantas, não sei dizer qual delas tem melhor desempenho. O Cactos nunca floriu, mas resiste por mais de 10 anos sempre crescendo lentamente com seus espinhos e sua resistência metódica. Isso é do desempenho dele. A Jiboia-verde depois de um período de adaptação em Amambai, já domina quase todo o muro da frente, linda, frondosa, bagunçando tudo, visto que não respeita limite. Isso é o desempenho dela. As Onze-horas estavam floridas, brancas, vermelhas, amarelas, agora veio o inverno e elas se recolheram, estão sem graça, com folhas amareladas, curtindo seu momento de recesso. Isso é o desempenho delas. A Flor-de-Coral não se adaptou ao solo de casa, recolheu-se, murchou, talvez morra apesar de todo o meu esforço. Isso é o desempenho dela. As orquídeas (que não são minhas, e sim de minha mãe) estão lindas, porém não florem, faltam nutrientes, espaço propício, iluminação… voltei a estudar o assunto para tentar resolver. Isso é o desempenho delas. Se eu fosse premia-las, qual deveria escolher? Escolho todas. Cada uma com sua especificidade, com as exigências de cuidado, nutrição, ambiente, rega e poda de cada variedade. Sem generalização.

Estudantes (crianças, adolescentes, jovens e adultos) não são plantas. Mas a analogia ajuda a pensar. Em vez de investir em premiação, invistamos em insumos que possam contribuir para que cada um se desenvolva dentro de suas potencialidades. Proponho gastar os R$ 160.000,00 em livros paradidáticos para as bibliotecas, em kit escolar (caderno, lápis, canetas, mochilas etc.), no Museu de Amambai, na compra de jogos educativos, e tem tantas outras necessidades (como por exemplo melhores salários para professores e administrativos da educação).

Digamos não a esse projeto que se baseia em conceitos Behavioristas (comportamentalistas) que a educação superou há mais de 50 anos. Vivamos a diversidade na educação. Não a padronização. Sim a liberdade de aprender e desenvolver-se, cada um no seu tempo, e no seu desempenho.

Luiz Peixoto é Filósofo por formação (UCDB). Cidadão Amambaiense por nascimento. Professor por opção. Educador por princípio e pensador…. por necessidade. Cultiva plantas… ama dar aula…e ainda acredita na vida e nas pessoas e segue sonhando um mundo mais justo e mais igual.

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