31.3 C
Dourados
quinta-feira, 25 de abril de 2024

Tem gente que ainda não lê

- Publicidade -

15/02/2016 07h00 – Atualizado em 15/02/2016 07h00

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

O livro é uma extensão da memória
e da imaginação

Jorge Luis Borges

Uma das minhas principais paixões são os livros. Eles me levam além de onde estou, me ajudam a transcender a realidade e viajar por outros cosmos. Eu leio desde muito cedo, tenho uma pequena coleção de livros acumulado ao longo dos anos. Periodicamente faço uma sessão de desapego, só ficam os principais, os outros são doados a quem pode lê-los.

Vários amigos meus, professores, ao conhecerem minha casa, se espantam com o tanto de livros que guardo. Se soubessem o tanto que já doei, espantar-se-iam mais.

O que me espanta mesmo é ouvir de colegas de profissões que não gostam de ler. Não consigo conceber um professor que não leia, e que não leia muito, não só por obrigação, mas por prazer de conhecer. Afinal que não conhece, não consegue ensinar. Eu tive professores que me motivaram a ler, e não motivaram falando, mas sim fazendo, mostrando livros que leram e me provocando a conhece-los. Deu muito certo. Aprendi como educador que a melhor forma de ensinar uma pessoa a ler, é lendo. Exemplo educa. Palavras cansam.

Vivi uma experiência interessante com leitura em 2005, quando comecei a trabalhar na Escola Família Agrícola. Na execução do chamado serão, que é um instrumento pedagógico de trabalho lúdico no período da noite, havia um período de meia hora que deveria ser dedicado à leitura pelos estudantes. A maioria dos professores reclamavam que os estudantes ficavam meia hora parados, com um livro qualquer na mão, mas as páginas nem eram viradas, e tinha que se pedir silêncio o tempo todo. Me imaginei no lugar deles, ser obrigado a ler. Nada mata mais a vontade que a obrigação.

Durante um semestre, eu por ser novo na escola, não assumi essa tarefa a noite. No segundo semestre me entregaram a noite de segunda-feira. Tive que parar e pensar em estratégia. Na primeira noite de serão, tentei o método que todos usavam, sentar e cuidar para que eles lessem. Um fracasso. Deu até sono. Eles ficavam lá, sentados, como minha fama era de ser bravo, todos em silêncio, mas os olhos fora de foco, sem ler nenhuma linha. Um tédio. Conversei com algumas pessoas que entendem de educação, e resolvi mudar o foco.

Na segunda semana, cheguei com o livro “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway, pedi que todos pegassem seus livros e que me deixassem ler em paz. Sentei confortavelmente e li, umas 30 páginas do livro, que por sinal é muito bom de ler. O mais legal foi o número de estudantes que ficava, em vez de olhar o livro deles, olhando eu ler, para minha cara, eu quando estou lendo, costumo manifestar emoções na face, raiva, alegria, risadas, no caso do livro sofrimento e depressão. Ao final da aula uns 5 deles vieram perguntar sobre o que era o livro.

Na terceira semana, cheguei com outro livro, dessa vez “Angústia”, de Graciliano Ramos. A primeira pergunta da sala foi “Cadê o outro livro?”. Respondi que já tinha acabado há uns 4 dias e que estava em outro já. Resolvi arriscar conversa e perguntei porque o espanto. Entendi que eles nunca tinham visto um professor trocar de livro, logo eles também nunca haviam lido. Propus lermos juntos. Comecei lendo em voz alta 9e eu odeio faze-lo, afinal é um desafio para um gago ler em público), mas fomos assim por umas seis semanas, até terminarmos o livro do velho Garça. Aprendi uma lição valiosa. Quer que as pessoas leiam, leia!

Não sei se algum deles ainda lê, mas meu papel eu fiz. E não fiz um papel forçado, eu de fato gosto muito de livros.

Luiz Peixoto – Filósofo. Escreve semanalmente nessa coluna

Tem gente que ainda não lê

Tem gente que ainda não lê

Tem gente que ainda não lê

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-