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Oito de novembro na USP

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09/11/2011 16h29 – Atualizado em 09/11/2011 16h29

Brasil de Fato

Madrugada tensa. O dia 08 de novembro de 2011 ficará marcado na história da Universidade de São Paulo (USP) como um dia de muita repressão policial e manifestação estudantil. Às 5h, policiais militares da tropa de choque atiravam bombas de efeito moral nos corredores do Crusp (Conjunto Residencial da USP) para impedir que seus moradores fossem até à Reitoria. Lá, os estudantes ocupados sofriam a reintegração de posse aprovada na última quinta-feira (03) pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública.

Mais de quatrocentos homens da Tropa de Choque, helicópteros e cavalaria da Polícia Militar cercavam o prédio. Sem estabelecer contato nenhum com os manifestantes para poder efetuar a reintegração de forma pacífica, os policiais invadiram o local e retiraram um a um dos ocupantes.

O estudante de letras Michel de Castro conta que tinha ido até o local, mas não estava dentro da reitoria. Foi arrastado para a ocupação e preso. Dentro do prédio, o clima era de terror. “Resistimos e nos obrigaram a entrar em salas escuras, agrediram estudantes, filmaram e fotografaram nossos rostos (homens sem farda nem identificação). Levaram todas as mulheres (24) para uma sala fechada, obrigando-as a sentarem no chão e ficarem rodeadas por policiais homens com cassetetes nas mãos”, descreve nota pública dos estudantes.

Outra estudante de letras, Rosi Santos, asmática, começou a passar mal e foi levada para uma sala à parte. Gritou durante trinta minutos, levando os colegas ao desespero “ao ouvir gritos como o das torturas que ainda seguem impunes em nosso país”.

Oito ocupantes conseguiram fugir a tempo de não serem presos por meio uma saída lateral de incêndio. “Foi tudo muito rápido. Avisamos as pessoas que estavam dormindo que tinham montado um cordão de isolamento lá fora e que precisávamos sair sem sermos presos. O prédio parecia tremer, a gente escutava um barulho forte dos cassetetes sendo batidos nos escudos”, conta Alcides, que cursa Ciências Sociais.

“Tínhamos conhecimento dessa saída de emergência. Conseguimos deslacrar a porta e sair. Passamos em oito. A Força Tática ainda não tinha feito o cordão de isolamento nessa lateral, somente a Guarda Universitária estava lá. Corremos para a Praça do Relógio e nos deparamos com um grupo de skinheads que iam em direção à ocupação. Corremos deles também. Chegamos ao GFAU (Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) e avisamos as pessoas do movimento por telefone sobre o que acontecia”, complementa.

Há relatos de que policiais invadiram unidades em busca de alunos e de que uma mulher, ao tentar filmar o que ocorria em frente à reitoria, foi amordaçada e jogada ao chão. A Polícia Militar divulga fotos de coquetéis molotov e estragos de bens da reitoria como uma máquina de xerox. O movimento reconhece as pichações das paredes, mas não a depredação de objetos e os coquetéis. “Foi plantado, assim como o mobiliário quebrado”, disse o estudante de letras, Rafael Alves.

Na Cidade Universitária, apesar do cenário de militarização em frente à reitoria, a vida corria normal. Frequentadores do campus faziam cooper e andavam de bicicleta. Próxima ali, na ocupação, 73 estudantes saíam com as mãos erguidas na cabeça sob as câmaras de TVs e de fotógrafos, em direção ao ônibus que os levariam a 91º DP, a nove quilômetros dali.

Apoiadores se dirigiam ao campus. Às 7h, a reitoria ainda está tomada pela Força Tática. Alunos, funcionários e professores estão ali, indignados, com o enorme aparato policial. Manifestantes se dividiram em grupos com o objetivo de passar nos cursos de todas as faculdades para avisar sobre o acontecido.

No curso de letras, parte dos alunos desejava entrar no bloco para ter aula. Outra permanecia no espaço usado comumente para a realização de assembleias estudantis. Sob a aglomeração, sobrevoavam dois helicópteros da Polícia Militar.

Um suposto estudante tenta destruir o piquete que impedia a entrada ao prédio. Começa uma briga, que logo é apartada. “Você é P2, saía daqui provocador”, dizem manifestantes ao furador do bloqueio, um rapaz de aparentemente 25 anos, corpo malhado, cabeça raspada. Para muitos ali, o homem era um policial infiltrado entre os alunos.

Às 10h27, centenas de estudantes estão em frente à reitoria, ao lado de cem policiais, dezenas de viaturas e um caminhão militar. Aos gritos de “Soltem nossos presos!” e “Lutar não é crime, queremos todos livres”, realizam um protesto que permanecerá durante todo o dia. Uma ciranda, animada com maracatu, é feita em frente à tropa.

Os policiais da Tropa de Choque estão sem os nomes colados à farda, o que significa que, caso seja necessário, há sinal verde para agir com violência. Sem identificação, esses policiais não podem, posteriormente, serem acusados por qualquer agressão.

Às 11h42, uma passeata sai em direção ao 91º DP, onde se encontram os estudantes presos. A caminhada leva mais de uma hora. O estudante de Arquitetura, Miguel, fala sobre dois amigos que foram presos. Outros dois conhecidos também foram detidos. “A gente estava na assembleia ontem. Eu fui para casa umas 23h30 e eles disseram que iriam dormir ali. Achei que não tinha chance de acontecer nada pois estava marcada uma nova negociação. A reitoria cortou o diálogo com violência”, afirma.

A reintegração de posse pegou todos da ocupação de surpresa. Em assembleia na noite anterior, presenciada por mais de 800 estudantes, a comissão de negociação relata que não houve avanços nas propostas da reitoria. Os negociadores responderam às reivindicações de retirada da PM do campus e do fim dos processos administrativos e criminais com a proposta de dois grupos de discussão sobre os temas.

Apesar de poderem realizar a desocupação a partir das 23h daquela segunda-feira, os estudantes confiaram na palavra da reitoria que, em aviso à imprensa, disse que pediria o uso da força apenas quando se esgotassem o diálogo com os manifestantes. Uma nova reunião de negociação estava marcada para dali dois dias, na quarta-feira (09), e os estudantes ansiavam por ela.

Em frente à 91º DP, um aglomerado de jornalistas está no local. Estudantes tentam impedir a filmagem da Rede Globo aos gritos de “Mentira”. Um manifestante avisa que estudantes do curso de Ciências Sociais de Marília fazem movimento no campus em solidariedade aos presos políticos da USP.

“A Universidade está em estado de guerra. Assim como Israel fez com a Palestina, a USP, com a desculpa de segurança, implantou a repressão”, dizia um manifestante que carregava o cartaz “USP e Palestina Liberdade?”.

Por voltas das 13h, os 73 estudantes continuavam no ônibus, sem acesso à água, banheiro e comida. Eles responderão pelos crimes de flagrante por desobediência a ordem judicial, dano ao patrimônio público e crime ambiental. Também pagarão fiança para que possam ser liberados. O Sindicato de Trabalhadores da USP (Sintusp) e outros sindicatos ligados à CSP-Conlutas se articulam para pagar o montante, que ficará em R$ 39.240, ou um salário mínimo (R$ 575) para cada estudante, O pagamento, conforme explica a advogada da Conlutas, Eliana Lúcia Ferreira, não significa reconhecimento de culpa.

O deputado Adriano Diogo do PT, presidente da comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, comparece à delegacia para prestar apoio. À mídia, o ministro da educação, Fernando Haddad, condena o uso da força.

Às 16h48, o professor de Filosofia, Paulo Arantes dá uma aula pública para cerca de 500 manifestantes em frente ao prédio da reitoria sobre questões como liberdade e capitalismo. Nessa hora, o efetivo da Tropa de Choque já é menor, cerca de 20 homens e 10 viaturas.

Em uma coletiva de imprensa o governador Geraldo Alckmim criminaliza o movimento de ocupação e, depois de usar todo aparato de guerra (cavalos, bombas, helicópteros e etc), diz que “os estudantes precisam de uma aula de democracia”.

Às 20h, se inicia a assembleia geral estudantil. Com o vão do prédio dos cursos de História e Geografia lotados, mais de 3 mil decretam greve contra a repressão e truculência da polícia.

Os estudantes aprovam cinco pontos principais de reivindicação: o fim dos processos políticos e administrativos movidos pela USP contra funcionários e estudantes, a saída da Polícia Militar do campus e o fim do convênio com a Corporação, liberdade aos presos e nenhuma punição administrativa e criminal aos integrantes do movimento estudantil, a saída de João Grandino Rodas do cargo de reitor e a aprovação de um plano alternativo de segurança para a Universidade.

Assembleias se espalham pelo Campus. Um ato é marcado para a quinta-feira (10), às 14h, no Largo São Francisco. Uma nova Assembleia Geral dos Estudantes acontecerá no mesmo local, às 18h.

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