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Primeiro dia…

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03/11/2015 07h51 – Atualizado em 03/11/2015 07h51

Conversa nada fiada

Por Odil Puques

O menino aguardara aquele dia num misto de ansiedade e preocupação. Aos seis mal sabia o que se passava ao redor, pois não tinha tido muitas oportunidades de experimentá-lo. Aquela seria a primeira experiência fora dos recônditos das balaústres que cercavam a si e aos seus, pois como se dizia, era grudado nas saias da mãe. A primeira mudança radical se deu com o visual, depois retiraram o calção/camiseta de todos os dias e enfiaram uma camisa branca com um símbolo no peito e uma calça toda azul. O tal do sapato é que foram elas, primeiro porque não podiam adquiri-lo, depois lhe dificultava o andar e cada passo doía como se fosse o último. Tiveram que pegar emprestado de um primo mais velho que o usava no outro turno. Chegou pelas mãos do pai, mas logo se viu num mar de camisas e calças iguais as suas. Sentou-se. Ouviu que falavam nomes que nunca tinha ouvido e de repente chamaram seu pai. Olhou ao derredor e não o viu, somente aqueles mesmos de olhos assustados iguais ao seu e à frente a simpática senhorinha de óculos de fundo de garrafa que insistia em gritar o nome do pai. Ante a insistência respondeu que não estava mais pois fora trabalhar, descobriu então que tinha o mesmo nome e era dele que falavam, fez como todos levantou a mão e ficou a imaginar que dali em diante seria dois, um daqueles que ficaram em derredor da casa, do pega-pega, das bolitas, das pandorgas, da bola e da bet’s e outro desse onde seria conhecido pelo nome do pai, pela mesma calça de todos os dias e por aquela cartilha com um enorme pássaro vermelho na capa, que uma prima já sabida disse tratar-se de arara. De repente um sobressalto, jamais ouvira som mais estridente em toda a existência, seguido de uma avalanche de gritos, atropelamentos e todos se portando um atrás do outro. Da sala que ocupava ninguém o fez, mas o fariam, disse a mestra, bastava se acostumar. Descobriu que a fila oportunizava umas delícias que dificilmente tinham em casa e pensou no irmãozinho que não teria aquela oportunidade. Ao voltarem começou a observar aqueles rostos de sonhos diferentes expiados em casa de que aquele seria o primeiro dia de um novo mundo. Quando finalmente pode ir embora, só pensava em voltar no dia seguinte com um objeto que coubesse um naco daquela delícia e pudesse levar para o irmão.

O autor é advogado e escreve semanalmente nesta coluna.

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