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Em Amambai, “seu” Cota alia fé e benzimento para curar as pessoas

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15/06/2016 15h30

Fonte: Patrícia Dapper – Redação

Amambai (MS)- A moradia é simples. Uma pequena sala, que também serve de cozinha, e um quarto; além do banheiro, que fica do lado de fora da casa. No quintal, as plantas e animais de estimação realçam o aspecto da pequena propriedade rural localizada no final da rua Colombo, na vila Jussara. Mesmo modesto, o endereço é bem conhecido, frequentado e atrai diariamente dezenas de pessoas.

É lá que vive Argelino Padias de Souza, mais conhecido como “seu” Cota, 89 anos, estatura média e sorriso fácil. As pessoas que o visitam vão atrás do seu dom: benzer. Para muitos, benzimentos milagrosos. Suas visitas vão em busca de suas rezas para se livrarem de algum mal.

Uma dessas pessoas é José Jara, que se benze com o seu Cota a cada 15 dias depois de ser curado de um princípio de derrame, acontecido há cerca de dois anos. “Em 2014, eu tomei um banho na água quente e esqueci de pegar a toalha, quando eu abri a porta para pedir ajuda, veio um vento frio e eu senti a minha boca entortar; eu não conseguia nem tomar água e os médicos disseram que era derrame, então eu procurei o seu Cota e depois de nove benzimentos minha boca voltou ao normal, agora me benzo a cada 15 dias com ele”, contou José, que estava esperando na fila para ser atendido.

O procedimento realizado pelo benzedor é simples e segue uma tradição milenar: a cura através da reza. Muitos o chamam de benzedor, curador ou simplesmente rezador. Um dom que ele acredita vir de Deus e que foi anunciado por intermédio de uma senhora boliviana, quando ele tinha 22 anos.

“Aos 22 anos, eu fui trabalhar numa fazenda na Bolívia e um dos meus companheiros de serviço morava com a mãe dele e todos os dias quando eu passava a cavalo ela ficava me olhando; certa vez ela me chamou e disse que eu tinha que ser um benzedor, porque ela via em mim este dom dado por Deus e, a partir desse dia, sempre ao anoitecer ela me ensinava as rezas”, conta seu Cota.

Ele explica que vários são os problemas relatados por quem quer ser benzido, entre eles, espinhela caída, coalho virado, carne quebrada, cobreiro, quebranto, mau olhado, encosto, picada de cobra e tiriça, entre outros.

Seu Cota não faz de suas rezas e benzimentos uma profissão. Não cobra nada pelos atendimentos que presta, mas demonstra satisfação diante dos muitos agrados que recebe dos visitantes, na maioria, itens de alimentação. “Aquela senhora sempre me ensinou que eu nunca devo cobrar por minhas rezas, acredito que só é meu o que as pessoas me derem de coração, se eu cobrar, o que eu recebi não irá me pertencer” disse o benzedor. E acrescentou: “Também aprendi que nunca posso negar oração a ninguém, seja rico ou pobre, branco ou negro, quem chegar primeiro será atendido primeiro”.

Ele conta que ao contrário do que muitos pensam, ele não faz nenhum ritual de consagração antes de rezar por uma pessoa. “Eu não faço nenhum ritual, até porque não sou eu quem curo, é Deus, eu apenas faço o pedido da maneira certa”, afirma seu Cota.

O benzedor explica que seus benzimentos podem ser feitos até mesmo à distância.”Eu tenho muita fé, por isso não é necessário que a pessoa venha até aqui para benzer, mas ela tem que acreditar; uma coisa eu asseguro, se a pessoa quiser ser curada com benzimento, ela vai ser, mas se ela quiser ser curada com remédio, só o remédio vai poder curá-la, não importando o tanto de rezas”, finaliza seu Cota.

Saiba mais sobre a tradição do benzimento

A palavra benzer significa tornar “bento” (ou santo) e a prática do benzimento remonta às mais profundas raízes do povo brasileiro. Próprio da miscigenação, o benzimento se mistura à própria história étnica do Brasil. Os índios já praticavam esse ritual, embora não recebesse esse nome e tivesse outros princípios, mas ligados ao xamanismo do que à prática que hoje se vê. Ainda assim, usavam mantras e ervas a fim de espantar os males do corpo e da alma.

Mais tarde, com a colonização e o advento da escravidão, foi a vez dos negros cativos contribuírem com sua sabedoria acerca da espiritualidade, entoando seus cantos e praticando os rituais que acabariam por se incorporar às tradições religiosas brasileiras.

Também o europeu contribuiu para a disseminação dessa prática. Era comum aos cristãos que aqui se instalaram entoar as ladainhas e as rezas a fim obter curas e solução dos problemas.

Com o tempo, de forma natural, essas práticas se mesclaram e surgiram as benzedeiras, figuras clássicas da crença popular. Cada qual segundo o próprio aprendizado, incorporou os elementos indígenas, negros e europeus e criou o seu próprio modo de benzer. Geralmente com um galho de arruda ou outra erva (que nos remete às práticas indígenas), fazendo uma cruz frente o corpo do doente (gesto que remonta ao catolicismo), mãos brancas e negras ou mulatas levaram o alívio a muita gente que sofria.

Nas regiões interioranas no Brasil, onde os benefícios da ciência chegavam tardiamente, as benzedeiras eram requisitadas antes dos médicos e, num passado não muito distante, ainda existiam (e ainda existem) pessoas que viajavam centenas de quilômetros para se consultar com uma benzedeira renomada.

Por mais que a ciência avance e, com ela o ceticismo, ainda hoje observamos nos terreiros de Umbanda uma legião de pessoas que procuram uma entidade a fim de tomar um passe, uma outra faceta do benzimento. Por mais que o homem avance no mundo da ciência, suas raízes ainda falam alto, principalmente nos momentos de dificuldade. E assim vamos mantendo vivas as nossas raízes, crenças e tradições.

As mãos santas que antes benziam e curavam o quebranto, o bucho virado, a criança assustada, estão cada vez mais raras nos dias de hoje, mas marcaram a sua presença nas páginas da história brasileira.

Fonte: Instituto Afro Cultural TUPJA / Douglas Fersan

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