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Pesquisa identifica espécies de peixe usadas como iscas vivas no Pantanal

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14/09/2017 13h47

Fonte: Embrapa

Novas espécies podem surgir ao longo dos anos

O professor Paulo Cesar Venere, do Departamento de Biologia e Zoologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), é parceiro da Embrapa Pantanal nas pesquisas com tuviras. Ele relata como tem se desenvolvido esse trabalho na universidade e explica que, ao longo do tempo, alguns indivíduos evoluem e podem se adaptar ao ambiente, gerando novas espécies. Confira:

Como foi o processo de descrição genética das espécies?

Paulo Cesar Venere: O estudo sobre as iscas vivas já foi tema de duas dissertações de mestrado. A primeira, cujo artigo é esse publicado na Zebrafish, se concentrou em peixes utilizados como iscas vivas na região compreendida entre Corumbá (MS) e o Parque Nacional do Pantanal. Na segunda dissertação, ampliamos as áreas de amostragem para a porção norte do Pantanal, abrangendo comerciantes de iscas das cidades mato-grossenses de Cáceres, Barão de Melgaço, Santo Antônio de Leverger e Poconé.

De maneira geral, o trabalho foi relativamente semelhante, porém, além dos estudos com marcadores cromossômicos e moleculares, foi realizada também uma análise mais detalhada sobre o padrão de coloração das espécies pesquisadas. Os estudos cromossômicos foram utilizados apenas para a detecção das possíveis espécies e confirmaram a ocorrência dos mesmos três cariótipos encontrados na região de Corumbá, porém, com um número bastante elevado de peixes da espécie Gymnotus paraguensis em relação às outras duas espécies (G. pantanal e G. sylvius). Diante disso, demos continuidade aos estudos com uma metodologia bastante interessante: o sequenciamento de um fragmento do gene mitocondrial Citocromo Oxidase I, conhecido no mundo científico como DNA barcode.

O que essa metodologia trouxe de novo?

Paulo: Os estudos com o DNA barcode confirmaram a existência de apenas três espécies nos estoques por nós estudados (o mesmo aconteceu em ambas as dissertações). Porém, pelo fato de terem aparecido algumas dúvidas, pelo excessivo número de G. paraguensis em relação às demais espécies, surgiu a suspeita da possível existência de uma quarta espécie (que poderia ser G. inaequilabiatus) dentre os exemplares de G. paraguensis, uma vez que são muito parecidas e poderiam estar “misturadas” com os lotes de G. paraguensis. Passamos então a detalhar mais o padrão de coloração e realizamos análises mais detalhadas das sequências gênicas amplificadas, mas até o momento não concluímos as análises genéticas dessa quarta espécie já citada para o Pantanal (G. inaequilabiatus). Esses dados estão ainda sendo preparados para uma nova publicação, mas já revelam um padrão de coloração bastante polimórfico para G. paraguensis, como pode ser observado na figura.

Montagem com as três espécies de tuviras comercializadas no Pantanal

Qual a importância da ocorrência dessas espécies no Pantanal sob o ponto de vista evolutivo?

Paulo: É importante se ter em mente que a diversidade de espécies garante maior estabilidade nos ambientes onde elas são encontradas. Isso vale para qualquer ambiente natural e devemos sempre estar atentos. Assim, ao longo da história evolutiva do Pantanal, novos microambientes estão sempre surgindo e desaparecendo ou mesmo se modificando ano após ano. As características ambientais vão então funcionar como balizadoras da seleção natural que conduz ao surgimento de novas espécies ou mesmo à extinção de outras. Isso ocorre constantemente de uma forma natural. Dessa maneira, as espécies nativas possuem um pool gênico bastante grande que contém uma diversidade de informações (diversidade genética) que vai se manifestando geração após geração com ajustes mediados pelo ambiente. Assim, a existência de espécies diferentes, mesmo as de um conjunto em que são bem parecidas como aquelas do gênero Gymnotus, indica que as possibilidades de ocupação de diferentes nichos são grandes e, assim, elas podem conviver sem competições acirradas, garantindo que cada uma tenha as chances necessárias para sobreviver e se perpetuar pelos ambientes nos quais se encontram.

Sabe-se que espécies podem se adaptar à evolução do planeta. Os estudos genéticos com tuviras já realizados indicam alguma forma de adaptação ao longo do tempo?

Paulo: De certa forma, ainda que os estudos não avaliem isso diretamente. No caso específico de Gymnotus paraguensis, notamos que os estoques genéticos estudados parecem estar estruturados regionalmente. Há um trabalho sendo preparado a respeito. Nota-se uma “estruturação populacional” com diversidades genéticas específicas para vários lotes. Essas diferenças ainda não indicam separações em novas espécies, mas sugerem uma redução no fluxo gênico entre vários dos estoques amostrados. Se essa estruturação for mantida ao longo de muitas gerações, ela poderá culminar com a separação desses peixes em novas espécies. Isso é a evolução moldando caminhos para que os peixes continuem ocupando seus lugares de forma a perpetuarem seu pool gênico.

Que tipo de característica genética é considerada para diferenciar uma espécie de outra? Em outras palavras: quando consideramos que uma nova espécie surgiu? É um percentual do material genético que mudou?

Paulo: A identificação confiável de espécies é fundamental para a conservação e exploração sustentável dos recursos naturais. Com os avanços dos estudos em biologia molecular, tem-se utilizado sequências de DNA de genes altamente conservados para identificar espécies biológicas, especialmente quando a identificação com base apenas em dados morfológicos não é possível, por exemplo, larvas e ovos de peixes, fragmentos de tecidos (como de animais procedentes de caçadas ou pesca ilegal).

Nesse contexto, alguns genes mitocondriais (mtDNA) vêm sendo utilizados para o reconhecimento da biodiversidade, uma vez que o mtDNA apresenta apenas 37 genes, relativamente mais simples que os DNAs nucleares, além de apresentar taxas de evolução mais rápidas do que o DNA nuclear, o que resulta no acúmulo de diferenças entre espécies próximas. Diante disso, no sentido de propor um sistema unificado de identificação molecular, alguns pesquisadores propuseram uma metodologia para identificação das espécies a partir de uma sequência curta da região do gene mitocondrial Citocromo C Oxidase subunidade I (COI), hoje amplamente referenciado como DNA barcode. Esse gene foi escolhido por apresentar algumas características favoráveis que não estão presentes nos genes nucleares, como, por exemplo, uma alta taxa mutacional, além de poder ser aplicado na identificação de indivíduos em qualquer estágio de vida ou mesmo espécies morfologicamente difíceis de serem reconhecidas. O DNA barcode preconiza que a variação genética entre diferentes espécies (interespecífica) precisa ser maior que a variação dentro de cada espécie (intraespecífica) e, para peixes, um limite interespecífico considerado suficiente, e que tem sido seguido por vários pesquisadores brasileiros para delimitação de espécies, é de 2%.

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