19/11/2015 15h44 – Atualizado em 19/11/2015 15h44
Indicação de Luiz Peixoto
O filme traça um paralelo entre a vida no período da escravidão e a sociedade brasileira contemporânea, focalizando as semelhanças existentes no contexto social e econômico das duas épocas. Com muitos atores afro-brasileiros, a ação se desenrola nesses dois períodos históricos ao mesmo tempo.
O longa “Quanto vale ou é por quilo?” utiliza linguagens variadas para contar essa história. Entre elas, trechos de documentários e pequenos contos de enredo, baseados em crônicas de Nireu Cavalcanti, extraídas de autos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
Apesar de ser uma obra de ficção, a escravatura é mostrada como está descrita nesses documentos, e em outros escritos históricos da época. Ao traçar esse paralelo entre o século XIX e o tempo atual, o filme questiona até que ponto a estrutura da sociedade brasileira realmente mudou da época colonial até hoje
“O que vale é ter liberdade para consumir, essa é a verdadeira funcionalidade da democracia”. Proferida pelo ator Lázaro Ramos, a frase traz uma entre as muitas questões apresentadas pelo cineasta paranaense, que são fundamentais para aqueles que desejam refletir mais seriamente sobre desigualdade, direitos e capitalismo na atualidade.
O filme traz à tona a permanência na atualidade de nosso passado escravista, deixando clara a impossibilidade de olhar o presente sem levar esse passado em conta, assim como as persistentes desigualdades econômicas, sociais e de direitos no país. Na medida em que o conto machadiano é adaptado para a atualidade – nas figuras de Candinho, Clara, tia Mônica e Arminda – Bianchi mostra o elo imprescindível com a História para uma visão crítica da atualidade.
Mas se por um lado o filme afirma que há reminiscências que nos são constitutivas, também abarca sua incorporação e complexificação nos dias atuais: a miséria ou a prisão como economicamente rentáveis e geradoras de emprego, a solidariedade como empresa ou até mesmo a denúncia como um negócio. No atual jogo “democrático” e de “participação” da sociedade civil em prol de demandas não atendidas pelo Estado, as ongs – ou o terceiro setor, como se convencionou chamar – aparecem no filme funcionando como empresa, incorporando seu discurso típico e objetivando, enfim, o lucro. Responsabilidade social ou solidariedade são exaltadas e mobilizadas como marketing dessa nova indústria que gerencia a miséria e os miseráveis. A crítica ácida de Bianchi recai, portanto, sobre aquilo que muitos têm entendido como solução ou alternativa para os dilemas inerentes ao capitalismo –as ONGs.
Sem freios, tal acidez pode voltar-se inclusive sobre o próprio filme que, no limite, ao tematizar o uso econômico da miséria, faz da denúncia seu negócio. Mas essa possível autofagia encontra como limite o choque do espectador, a proposta de retirá-lo daquele mundo mágico, da inércia confortante dos que criticam e apresentam uma nova proposta ou solução ao final. Sem solução, sem proposta, Bianchi termina o filme com dois finais possíveis, dando a entender que mesmo que não sejam apenas aquelas as opções, é o espectador que dará novos desfechos para a nossa História.
O drama dirigido por Sérgio Bianchi ganhou quatro prêmios do Cine Ceará: Melhor Roteiro, Melhor Edição, Melhor Ator Coadjuvante (Lázaro Ramos) e Melhor Atriz Coadjuvante (Ariclê Perez). Reprise. 110 min.
Ano: 2005.
Gênero: drama.
Direção: Sérgio Bianchi
Com Hérson Capri, Caco Ciocler, Ana Lucia Torre, Silvio Guindane, Myriam Pires, Lena Roque, Ana Carbatti, Cláudia Mello, Leona Cavalli, Umberto Magnani, Joana Fomm, Lázaro Ramos, Ariclê Perez, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Caio Blat.
Classificação Indicativa: 14 anos
