27/06/2016 07h49
Crônicas de uma Alma Solta
Por Luiz Peixoto
“Ler um bom livro é como conversar
com as melhores mentes do passado”
(René Descartes)
Muito cedo, menino ainda, morando em Amambai e estudando na Escola Estadual Fernando Corrêa da Costa, descobri o gosto pela leitura. Gosto não, paixão! Primeiro foram os gibis, que era como se chamavam na década de 80 as Histórias em Quadrinhos (HQ). Quanto tempo passado com Tex e seu faroeste, com Tio Patinhas, Donald e seus sobrinhos, turma da Monica, e os heróis em geral. Naquele tempo aqui havia banca de revista, a Banca do Roberto, e eu fazia questão de guardar um pouco do pouco ganho como servente de pedreiro e comprar pelo menos dois por mês.
Pouco a pouco passei para os livros. Como esquecer dos romances adocicados da coleção Sabrina, Bianca e Júlia que minha irmã lia e que eu devorei todos. A Biblioteca Municipal, na época bem mais acessível, no centro, perto da praça, era um dos espaços prediletos, com sua arquitetura redonda e suas estantes empoeiradas. Era difícil comprar livros, eram, e ainda são, caros e, em uma época sem internet, quase impossível de comprar aqui no interior. A biblioteca tornou-se um refúgio.
Nesse processo de ir me apaixonando por livros, como não lembrar do Professor Matheus Selhorst, que em suas aulas sempre motivava a leitura e indicava bons livros. Devo muito do meu gosto literário à educação que tive no ensino fundamental.
Criei um vínculo de amor, que até perdura, com Machado de Assis – saudade de “Dom Casmurro”, Érico Verissimo – viajando no “Tempo e o Vento”, Castro Alves – deslizando nas “Espumas Flutuantes”, Jorge Amado – aprontando com os “Capitães de Areia”, José de Alencar – paixão fulminante por “Iracema”. Se for listar todos, teremos aqui um outro livro, de pouco interesse a outrem. Como esquecer Graciliano Ramos, que me levou a conhecer Florianópolis, a andar pela primeira vez de avião, a ver a praia pela primeira vez. Tenho até hoje a medalha do concurso de redação guardada. E tenho ainda no armário “Caetés”, “São Bernardo”, “Angústia”, “Vidas Secas”, “Infância”, “Insônia”, “Memórias do Cárcere”, “Linhas Tortas”, todos lidos e relidos diversas vezes.
Em um tempo que a palavra bullying não existia, era chamada de zoação mesmo, quantas vezes fui chamado de quatro-olhos por causa dos óculos, de biblioteca ambulante, por sem ter um livro nas mãos, de CDF, que era como se chamavam os nerds antigamente. Mas eu sobrevivi.
Tinha sonho de ser escritor. Talvez poeta. Minha vida seguiu outros caminhos. Embrenhei-me pela Filosofia e aventurei-me na educação. Nas muitas mudanças de cidades e estados que fiz, a cada ano a caixa de livros ficavam maior. Como foi difícil tomar a decisão em 2007 de ter apenas o essencial em livros comigo. Como foi dolorido selecionar para a doação. Como foi prazeroso ver jovens manuseando meus livros na biblioteca da Escola Família Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues. Hoje tenho impresso só os prediletos, cerca de 2.000. E em versão digital quase 1 terabyte, por mais que não seja a mesa coisa ler na tela, não existe a mística de sentir o cheiro do livro novo ou a alergia do livro velho, nem a magia de passar o dedo folha por folha, mas são as consequências da modernidade.
Ainda mantenho a mesma média, de ler pelo menos um livro por semana. Não sei dizer quantos já li ao longo de tantos anos. Nem quantas vezes reli os prediletos. Só existem dois que sei quantas relidas mereceram, “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, lido todo janeiro há 25 anos; e “Lições de Feitiçaria”, de Rubem Alves, todo dezembro, desde 2000.
Sinto muita falta de ver a juventude lendo. Sinto falta de ver as pessoas entendendo que ler é libertador, não ler só por obrigação acadêmica, quando leem, mas sim pro prazer de navegar nas águas do conhecimento. Ler para viver. Ler para saber. Ler para ler.
No momento estou me digladiando com “A fúria dos reis” livro dois da série “As Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin, com suas infinitas 652 páginas. Vem um estudante e me pergunta porque ler esse tipo de livro. Pensei, elaborei, e não achei resposta melhor do que um “Porque sim, porque gosto, porque quero”. Bem isso. Bem honesto. Leio porque leio. E porque ler me liberta, me anima, me diverte. Libertamente. Animadamente. Divertidamente.
O autor é filósofo e escreve semanalmente nesta coluna