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quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

A dúvida sobre a vacina CoronaVac-Butantã

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25/09/2020 19h38

Testes na China mostraram alta segurança, mas ainda é cedo para falar num índice de imunização de 98%. E mais: o que o governo e o Centrão, juntos, tramam para piorar o sistema tributário e atingir a Saúde e Educação públicas.

Fonte: Revista IHU On-Line

A reportagem é de Maíra Mathias e Raquel Torres, publicada por Outras Palavras, 24-09-2020.

É pra já?

Ontem, por um momento, pareceu que todos os nossos problemas estavam resolvidos. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), começou sua coletiva de imprensa anunciando estudos na China que atestaram a segurança da vacina CoronaVac. Lá, 50 mil pessoas receberam o imunizante em caráter emergencial e só 5,3% apresentaram efeitos adversos, em geral leves. A notícia é boa, mas veio atropelada na fala de Doria por outra: de acordo com ele, “além de segura, a CoronaVac está se mostrando altamente eficiente”, apresentando eficácia de 98% – e, já na segunda quinzena de dezembro, vai começar a ser distribuída à população, segundo critérios de prioridade. No Twitter, Doria publicou um vídeo com um grande banner fixo que diz: “Estudos clínicos comprovam eficiência da vacina CoronaVac”.

Só que isso não é verdade. A pesquisadora da UFRGS Mellanie Fontes-Dutra, que atua na Rede Análise Covid-19, explica: os 98% se referem à soroconversão em um grupo específico de voluntários com mais de 60 anos. A soroconversão, que já tinha sido verificada nas fases 1 e 2, diz respeito à resposta imunológica – à produção de anticorpos – mas sem necessariamente capacidade de proteger contra a doença. Aliás, quase ninguém tem a expectativa de uma eficácia de 98%: a OMS tem falado em 50% como um limiar necessário para garantir o controle da pandemia. E, para comprovar a eficácia da CoronaVac, só mesmo com a fase 3. Que está em andamento, como se sabe. O governo diz que até dezembro vai haver um estoque de seis milhões de doses. Se, até lá, a fase 3 tiver sido concluída e o imunizante tiver sido aprovado pela Anvisa, elas poderão ser distribuídas.

Enquanto isso, a Johnson & Johnson anunciou que acaba de entrar nos estágios finais dos ensaios clínicos com sua vacina experimental, desenvolvida pela Janssen Pharmaceuticals (uma divisão da empresa) e pelo NIH (os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos). Essa vacina pode não estar tão adiantada nos testes quanto outras, mas tem uma grande vantagem: a ideia é que funcione em dose única. Além disso, ela não precisa ser mantida congelada (como as da Moderna e da Pfizer), o que simplifica imensamente a logística de distribuição. A fase 3 vai envolver 60 mil voluntários em vários países. Espera-se que os resultados cheguem até o fim deste ano, e a empresa planeja fabricar um bilhão de doses no ano que vem. Destas, cem milhões estão reservadas para os EUA.

Possível viés

Talvez algumas das vacinas em testes hoje funcionem melhor quando administradas às populações mais ricas do mundo, alerta a repórter Roxanne Khams, na Wired. São aquelas que usam adenovírus humanos (que geram resfriados comuns) como vetores para induzir a produção de anticorpos contra o Sars-CoV-2. Entre as principais candidatas na corrida por resultados hoje, pelo menos três usam esses adenovírus. A Sputnik 5 (do Instituto Gamaleya) e a vacina da Cansino Biologics usam o Ad5; já o Ad26 está tanto na Sputnik 5 como na vacina da Jonhson & Johnson.

Já havíamos comentado aqui que há alguma desconfiança em relação a esse tipo de vetor. Como muitas pessoas já tiveram resfriado, há um risco de o organismo reconhecer o adenovírus e não produzir anticorpos contra o novo coronavírus. A novidade da reportagem da Wired é que ela traz dados que mostram como as infecções por esses adenovírus são mais comuns em países de baixa e média renda. Um estudo de 2006, que observou cerca de mil pessoas em cinco países, estimou que 34% dos adultos nos EUA tinham anticorpos contra o Ad5, em comparação com 89% e 96% dos adultos na Nigéria e na Costa do Marfim, respectivamente. Outro, de 2010, viu que os anticorpos para o Ad26 também eram mais comuns entre as pessoas nos países mais pobres. Nos Estados Unidos, 88% dos participantes do estudo pareciam nunca ter sido expostos ao Ad26, mas esse número caiu para 39% na Tailândia, 31% no Brasil e 12% em Camarões.

E até os adenovírus não-humanos podem vir a gerar problemas. O mesmo estudo de 2006 sobre o Ad5 encontrou grande prevalência de anticorpos contra a adenovírus de chimpanzé nos países africanos – esse é o vetor usado pela vacina de Oxford/AstraZeneca.

Risco planejado

Nenhuma autoridade confirmou a notícia, mas ontem o Financial Times publicou uma reportagem dizendo que o Reino Unido planeja começar, em janeiro, os famosos e controversos testes clínicos com desafio humano. Já explicamos aqui como funciona: os voluntários recebem vacinas ou placebos e são em seguida intencionalmente inoculados com o vírus (nos ensaios regulares, os participantes apenas voltam às suas vidas normais, inclusive encorajados a manter o uso de máscaras e o distanciamento social). A reportagem cita pessoas envolvidas com o projeto e diz que o estudo será financiado pelo governo e coordenado pelo Imperial College de Londres.

Alta procura

Contando com a vacina da J&J, já são quatro as que estão com ensaios de fase 3 no Brasil. Além dela, temos a CoronaVac, a de Oxford/Zeneca e a da Pfizer. Tem ainda a Sputnik 5, cujos estes estão em negociação em alguns estados. E o que não falta são voluntários, conta o jornalista Herton Escobar, no site da Science. No caso da CoronaVac, seriam nove mil ao todo (número que em breve pode ser expandido para 13 mil), e há listas de espera. Já para a vacina da AstraZeneca, o plano é ter dez mil voluntários, mas mais de 30 mil se ofereceram, só no Rio e em Salvador. O Brasil tem boa infraestrutura de saúde e a experiência com administração de vacinas e com execução de ensaios clínicos, o que faz daqui um bom lugar para os ensaios. Mas o fator mais importante deve ser o fato de que ainda há dezenas de milhares de novos casos registrados diariamente. “Eu só quero que esse sofrimento acabe”, diz Graziela Domingues, voluntária em um dos ensaios.

Mais do que demonstrado

Os dados da Epicovid-19, estudo sorológico conduzido pela UFPel, indicam que a população mais pobre do Brasil tem o dobro de chances de se infectar com o novo coronavírus do que os ricos: na parcela 20% mais pobre, a prevalência foi de 3,7%; na mais rica, de 1,7%. Além disso, o estudo mostrou uma prevalência de 6,4% entre indígenas, um percentual quatro vezes maior do que o das pessoas brancas (1,4%). Aliás, só entre Yanomamis já são mais 700 contaminados.

O país registrou ontem 906 novos óbitos. Em Minas Gerais, o número de mortes diárias mais do que triplicou em 24 horas, passando de 27 na terça para 133 ontem. O Rio está há seis dias com aumento na média móvel de óbitos.

Os feriados, a volta de praticamente todas as atividades econômicas e o cansaço geral (só 20% da população permaneceu isolada em agosto) facilitam os contágios, e parece que as campanhas eleitorais devem piorar o cenário: “Cercado por uma multidão, o candidato caminha, dança e veste uma máscara que acabara de sair do rosto de um eleitor. Em outra cidade, um político octogenário é carregado nos braços pelos eleitores até o palco para referendar a candidatura de seu sobrinho à prefeitura. Mesmo em meio à pandemia da covid-19 e com risco de disseminação da doença, parte das convenções partidárias que referendaram candidaturas a prefeito pelo país foi marcada por aglomerações e por atos de rua em clima de micareta”, diz a Folha, narrando episódios que aconteceram em cidades pequenas ou médias.

“Tributos alternativos”

Jair Bolsonaro deu sinal verde para a nova CPMF e, ontem, Paulo Guedes apareceu ao lado do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), defendendo a criação de “tributos alternativos”. A cena é resultado de uma negociação de bastidores, em que ficou combinado que caberá ao Centrão angariar apoio necessário à ideia antes que o governo envie formalmente um projeto ao Congresso Nacional. Para atrair parlamentares que resistem à criação de tributos, algumas migalhas de pão serão espalhadas pelo chão.

A principal estratégia não é novidade, e consiste em vincular a discussão desse novo imposto sobre transações digitais à desoneração da folha de pagamento. O governo sabe que o Congresso deve derrubar o veto presidencial à manutenção da desoneração para 17 setores da economia em breve, e já incentiva a movimentação pedindo que os parlamentares apoiem a criação do tributo como forma de equilibrar as contas. De acordo com o UOL, Barros chegou a dizer que o governo pode editar uma proposta alternativa, desonerando todos os setores da economia, desde que seja compensado. Nessa linha, o deputado segue sustentando que não haverá aumento da carga tributária, apenas substituição dos encargos pagos pelas empresas sobre os salários dos funcionários pela nova CPMF.

A novidade fica por conta da negociação do que o Estadão descreve como uma “dobradinha”: o Centrão negociaria a adesão à reforma tributária apoiada por Rodrigo Maia (DEM-RJ) em troca da criação da nova CPMF. O imposto seria incluído na PEC 45, que não está avançando na Câmara sem a chancela de todos os líderes do bloco de partidos que apoia o governo. Maia é o principal opositor da CPMF e já disse que a proposta não seria colocada em votação enquanto ele presidir a Casa. Seu mandato termina em fevereiro de 2021. A ideia é dobrá-lo, convencendo que ele ganha mais aprovando a reforma tributária do que deixando o poder sem esse “golaço”, na expressão de um líder do Centrão que conversou com o jornal.

Há ainda um terceiro polo de atração, aposta do ministro da Economia. Ontem, ele ligou o imposto ao financiamento do programa social do bolsonarismo – que, aliás, deve ser batizado de “Renda Cidadã”. Só que como nós já repetimos muitas vezes por aqui, e a Folha ressalta na sua reportagem, “tal instrumento não garantiria o programa, visto que depende de corte de despesas por causa do teto de gastos”.

Todos esses esforços encontram muita resistência no Congresso, não só por parte de Rodrigo Maia. E quem reconhece isso é o próprio Centrão. “A CPMF está estigmatizada, não acho que passe”, disse à Reuters o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-líder do bloco que reúne partidos do Centrão como o PL, o PP, o PSD e Solidariedade. “A CPMF, na prática, significa aumento de imposto pra milhões de brasileiros, em especial de classe média e baixa, que não tem folha de pagamento. Portanto, só terão aumento, sem nenhuma desoneração”, avaliou. Ontem, o presidente da comissão da reforma tributária no Congresso, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), disse que a criação da nova CPMF é um tema delicado: “Pode, de algum modo, contaminar a reforma. Não há ambiente político para discutir este assunto”. Segundo o Estadão, lideranças partidárias cobram de Guedes a apresentação de estudo detalhado do novo tributo para decidir se vale a pena apoiar a aprovação “do que eles consideram ser um ‘monstrengo’”.

“Dinheirinho carimbado”

Ontem, Paulo Guedes confirmou que a versão final da PEC do Pacto Federativo está a caminho. “Eram três versões, elas estão sendo consolidadas agora. E o relator está fazendo um excelente trabalho, está submetendo à aprovação do presidente, vendo onde há acordo, onde não há acordo, e isso vai ser encaminhado”, afirmou. Como era de se esperar, parte desse “excelente trabalho” será eliminar os pisos de financiamento do SUS e da educação pública brasileira. “A ação política é muito mais importante do que um dinheirinho carimbado que corrige 1,6% [valor do IPCA, limite para ampliação do orçamento federal segundo a regra do teto de gastos]”, tripudiou o ministro da Economia.

Segundo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o Planalto marcou para a próxima segunda uma reunião com líderes do Congresso para discutir a PEC.

A dúvida sobre a vacina CoronaVac-Butantã

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