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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Um conto de natal

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24/12/2020 19h08

Por Odil Puques

O Menino acordara ainda na madrugada daquela véspera do nascimento do Menino Santo. A Mãe dizia sempre que Este viera para salvar e redimir a humanidade dos pecados, o que possibilitaria, um dia, todos terem tudo. Sabia que a Mãe também não sabia o que significava redimir, que ela tirou de um livreto que o padre local, um que tinha bondade até no nome lhe dera, mas não ousava, porque não queria magoá-la.

A preocupação dele, Menino, era outra. Este ano viria a C-10 cor de abacate? Acostumou-se desde sempre a não ter quase nada, mal e porcamente o alimento do dia, ainda assim a sobra das carneadas que o pai fazia, que chamavam de miúdos, mas que para ele, sempre teve o cheiro e o gosto de bosta de vaca.

A redenção se dava quando se aproximava o dia do nascimento do Deus “Menino” e uma C-10, com um Gordinho na carroceria e outro que diziam ser meio louco, de motorista, apontava na rua da sua casa. No início um pontinho verde no horizonte, que ia crescendo, crescendo, até se transformar no veículo mais lindo do mundo quando chegava. O ronco do motor e o cheiro daquela gasolina ainda estão impregnados na sua memória afetiva, que sempre o trai, em suspiros e ais, quando as sente.

De repente, ele e o irmão, multiplicavam-se por cem, miles talvez, correndo atrás da C-10, com o Gordinho jogando, bolas, balas, bonecas e carrinhos e anunciando o nome do Loquicho, que diziam, querer entrar para o mundo da política.

Teve um ano que a C-10, não veio. O Menino, o irmão e todos os outros tiveram o Natal mais triste das suas tenras vidas. O Pai, coitado, perdera o que chamava de emprego com carteira assinada e as tropeadas rareavam, porque o transporte do gado era feito pelos caminhões agora.

Com o findar das aulas, Menino, irmão e todos da rua, da vila, da cidade quiçá, pensavam na tragédia que se avizinhava se a C-10, não aparecesse novamente. O que teria ocorrido? Uns diziam que o Maluquicho fora internado, outros que o Gorducho ajudante se bandiara para outra repartição e ainda aqueles que afirmavam que a circulação do veículo fora proibida por quem mandava na Lei, visto que não queriam deixa-lo se aproveitar da situação e virar o prefeito da cidade.

O arrefecimento afetou a todos, poucos eram os salves, piques, as pandorgas já não voavam desde o agosto e a bola de tão esgarçada havia se transformado em qualquer coisa oblíqua que a cachimbada do Nêgo, o craque da vila, saía pelas travessas e não em direção ao objetivo.

Tantos olhares pedintes na direção daquele horizonte nunca preenchido não foram suficientes. As lágrimas copiosas de uns, a raiva e o fiadaputa a quem seja de outros, deram o tom da segunda véspera mais triste da vida daqueles guris e gurias do entorno da Ciacel. A reza, o colo da Mãe e a história que Ele, nasceu no estábulo igual aquele dos fundos da casa, onde o Pai cuidava das duas vacas e seus bezerros, senão consolaram o Menino, serviu para que melancolicamente adormecesse a espera que um dia, mais dia, tudo fosse melhorar.

Acordou com o borburinho da rua, típico daqueles domingos em que disputavam a final do campeonato inter-ruas, o frisson, a quase histeria, os risos de muitos que se transformavam no uníssono, que em nada lembrava o velório da noite. Estarrecido viu que aos pés da cama estavam dois embrulhos multicoloridos, um circular e outro quadrincular. A bola era de capotão, número cinco e a camionetinha igual àquela que tantas alegrias lhe proporcionou e ainda carrega consigo para lembrar daquele milagre.

Ninguém nunca nem soube, nem houve explicação razoável para o ocorrido. Dos pais certeza que não era, pois estavam tão estupefatos quanto todos. Uns diziam ser obra do bom Velho, outros que o Loquicho mudara a estratégia e sorrateiramente entrou na casa de todos, ainda os que criam ser fruto da imaginação.

Nesse dia o da véspera, o Menino olha para o seu camionete verde e crê ainda mais que o espírito do Menino Deus, sempre olha para aqueles que N’ele crêem.

Feliz Natal.

Odil Puques é advogado, incentivador do esporte e da cultura e vereador eleito, em Amambai.

Foto: Reprodução

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