09/06/2014 15h23 – Atualizado em 09/06/2014 15h23
Fonte: Matéria
É difícil de acreditar que já se passaram quatro anos desde que a África do Sul recebeu torcedores dos quatro cantos do planeta para a primeira Copa do Mundo da FIFA™ disputada em solo africano. Daqui a três dias, o Brasil fará o mesmo e, embora a competição dure apenas um mês, o seu legado pode ficar para sempre.
Ao avaliarem os impactos da organização de um Mundial, muitas pessoas criticam a maneira como o evento afeta o país-sede após o encerramento do torneio concluindo que as impressões de longo prazo deixadas para trás não compensam a sua realização.
Apesar de serem preocupações legítimas, poucos compreendem o potencial, a importância e os desafios do legado de uma Copa do Mundo melhor do que o sul-africano Danny Jordaan. Executivo-chefe do Comitê Organizador da África do Sul 2010, ele compartilhou ideias interessantes sobre esse complexo tema.
Em entrevista ao FIFA.com, Jordaan respondeu aos argumentos dos críticos acerca do valor de se sediar o Mundial, contou sobre a atual situação da herança deixada pela África do Sul 2010 e explicou por que acredita que o Brasil será beneficiado como anfitrião do principal evento futebolístico do planeta.
FIFA.com: Qual é a sensação de notar que já faz quatro anos que a África do Sul sediou a Copa do Mundo?
Danny Jordaan: As pessoas dizem que há grandes momentos na nossa história: o dia em que Nelson Mandela saiu da prisão, o dia em que todos nós fomos votar pela primeira vez e o dia da cerimônia de abertura, com o fantástico espetáculo antes da partida inaugural. São momentos especiais para nós e nos lembramos deles com carinho. Nelson Mandela estava presente na noite da final. Fazia bastante frio, mas ele insistiu em ir ao estádio porque queria adotar o melhor do espírito humano e fazer parte do desmascaramento do mito de que a África jamais teria a capacidade para realizar um evento tão complexo e complicado quanto a Copa do Mundo.
Havia questionamentos quanto ao que aconteceria na África do Sul depois da Copa. Pode nos falar sobre o legado que você viu o Mundial deixar ao país?
O legado é estabelecido durante a etapa de candidatura. O que deve ser deixado como benefício para o país após o evento? O torneio dura apenas 30 dias, e não se pode construir um plano de longo prazo e determinar o seu sucesso ou fracasso pelo que acontece durante esses 30 dias. Tínhamos clareza quanto ao que queríamos alcançar. O nosso país tinha uma batalha para mudar a percepção da África do Sul e do continente africano em geral. As pessoas se referem ao conceito de afropessimismo. Queríamos mudar essa visão pessimista, mostrar ao mundo que a África tem potencial e capacidade e que não é o continente sem esperança no qual foi transformado.
A África agora é um lugar para negócios, comércio e investimento, e é isso o que queremos. Mas antes é preciso quebrar as impressões negativas. Se elas não forem desafiadas, viram realidade. E se quisermos que as empresas do mundo considerem a possibilidade de vir ao nosso país, então temos a responsabilidade de colocar o nome do nosso país em primeiro lugar nas mentes daqueles que investem. E foi isso que quisemos fazer com a Copa do Mundo de 2010.
Concorda que o investimento na Copa do Mundo deve ser de longo prazo e que ele não pode ser julgado durante o torneio em si?
Por exemplo, na preparação para a Copa do Mundo, construímos novos aeroportos e investimos no aeroporto internacional OR Tambo, de Johanesburgo. Como consequência do nosso programa de expansão aeroportuária, temos mais aeronaves pousando. Antes de termos mais turistas no nosso país, precisamos primeiro ter um aeroporto que possa acomodar a chegada de mais aviões.
Quando investimos na expansão dos aeroportos, não foi para os 30 dias da Copa do Mundo. Isso seria um equívoco total. É parte do crescimento do turismo no nosso país, e vemos um crescimento enorme como resultado. Noventa e cinco por cento dos turistas que vieram para a Copa do Mundo disseram que voltarão ao país, e 98% deles disseram que recomendarão amigos, familiares e outras pessoas a visitarem a África do Sul.
Não se pode comprar esses resultados com todo o dinheiro do mundo — e nós tentamos. Gastamos 400 milhões de rands em marketing no período de dez anos. A experiência real daqueles que vieram para a Copa do Mundo e viram a infraestrutura do país e conheceram os sul-africanos é a forma de convencer as pessoas a virem para cá.
A imprensa afirmou que a FIFA lucrou US$ 3 bilhões com a África do Sul 2010, enquanto que o país-sede foi deixado com uma dívida de US$ 3 bilhões. Qual é a verdade dessa afirmação?
Não há verdade nessa afirmação. É simplesmente falso. Não construímos nenhuma infraestrutura para a Copa do Mundo com base em empréstimos. Portanto, não temos empréstimos em aberto como consequência da Copa do Mundo. A África do Sul e todos os outros países contraíram dívidas depois de 2008 em função da crise da economia global, mas não em função da Copa do Mundo.
Quanto aos lucros da FIFA, mesmo que ela sedie a Copa do Mundo na lua, a maior parte do dinheiro vem dos direitos de transmissão televisiva. E as empresas que pagam não têm presença no nosso país. Portanto, é um completo equívoco. Esse faturamento nunca deixou nosso país, porque nunca entrou em nosso país. Os ingressos são outra grande fonte de receita, a qual em qualquer caso vai para o Comitê Organizador.
Há também críticas sobre os estádios que foram construídos para a África do Sul 2010 e agora não estão sendo usados. Como você responde a isso?
Tínhamos dez estádios. Quatro já existiam, construímos cinco e reformamos um. Dos estádios novos, dois receberam clubes da primeira divisão em Nelspruit e Polokwane. É importante termos um uso semanal do estádio para garantir que ele seja comercialmente viável, e os estádios têm esses locatários como âncoras, portanto eu acho que eles serão capazes de gerar renda. O bom é que são estádios sem dívidas. Conforme indiquei anteriormente, não contraímos empréstimos para construir esses estádios. Eles foram construídos com dinheiro disponibilizado por meio do processo orçamentário. E as pessoas que dizem que fizemos empréstimos para construir a infraestrutura precisam nos mostrar onde.
Você sabe que há preocupações entre os brasileiros às vésperas do início da Copa do Mundo. Compreende essas preocupações sobre o dinheiro gasto com o torneio?
Certamente compreendo, sobretudo em países em desenvolvimento. Contudo, não se pode construir uma sociedade que esteja concentrada somente na construção de escolas e casas. É preciso haver lazer. Não se pode construir uma sociedade que não dá a possibilidade aos jovens do país de serem o que eles quiserem. E alguns desses meninos sonham em ser o novo Ronaldo, Pelé ou Neymar. E é preciso ter a infraestrutura e os estádios para isso, para que eles possam viver esse sonho. Mas acho que o equilíbrio sempre é que jamais se deve usar o dinheiro ou redirecioná-lo das importantes questões sociais da saúde, moradia e educação. É responsabilidade do governo garantir que esse equilíbrio exista. Embora estejamos preocupados em enfrentar os desafios sociais, não devemos usar a plataforma que é a Copa do Mundo para criar falsos argumentos.