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terça-feira, 30 de abril de 2024

“Meu contato com o povo que me levou a esse caminho”

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28/07/2014 15h56 – Atualizado em 28/07/2014 15h56

Fonte: Brasil de Fato

A frase utilizada pelo senso comum de que “atrás de um grande homem, sempre tem uma grande mulher”, não caberia para contextualizar a vida de Denise, esposa de Manoel da Conceição.

Justamente porque nunca esteve por trás dos acontecimentos políticos que perpassou os 80 anos do camponês.

Assistente Social de profissão, diz que a militância brotou em sua vida depois do envolvimento com presos políticos no Ceará, onde trabalhava num presídio.

“Meu contato com o povo que me levou a esse caminho”, diz.

Denise elaborou ao longo do período ditatorial no Brasil métodos para burlar o extremo sistema repressivo dos agentes do Estado. Primeiro, responsável pela comunicação de militantes encarcerados pela ditadura com suas organizações. “Me utilizavam para passar recado”.

Depois, para descobrir onde estava Manoel da Conceição, preso diversas vezes pela ditadura, usando estratégias para conseguir burlar a segurança do DOPS em São Paulo.

“Passei a ir frequentemente conversar com o porteiro do prédio”.

Enérgica, comunicativa e carismática, Denise esbanja alegria ao receber a reportagem do Brasil de Fato num domingo de manhã em Imperatriz, em sua casa. Ao som do forró, mostra documentos antigos, fotos, conta mil histórias de uma vida que parece não querer acalmar nem na velhice.

“Viajamos todo tempo a convite de companheiros, de universidades… Continuamos na militância ainda”. Veja abaixo a entrevista.

Brasil de Fato – Onde a senhora nasceu?

Denise – Nasci em Pernambuco, mas me criei na Paraíba. A cidade que mais adoro é Campina Grande.

De onde vem a militância da senhora?

Saí da vidinha de burguesinha e fui viver minha vida. Eu não quis mais ficar em casa e comecei a trabalhar só a favor dos direitos humanos. Meu contato com o povo que me levou a esse caminho. Claro que a universidade de serviço social me ajudou muito para tomar esse conhecimento de como essa sociedade funciona de maneira desigual. E aí iniciei no Movimento de Educação de Base (MEB), em Fortaleza. Nos findos da década de 1960 eu também tinha um programa numa rádio e a Polícia Federal interviu, me proibindo de dizer a palavra povo e comunidade. Quando começou essa censura eu imediatamente cancelei esse programa. E o coordenador do MEB disse que arrumaria um outro trabalho para mim. Como eu sou assistente social, conseguiram uma vaga para mim no presídio Paulo Salazar numa cidadezinha próximo a Fortaleza. Nessa instituição penal tinham 30 presos políticos. Foi lá também que conheci o Manoel da Conceição.

Os presos políticos quase não podiam receber visitas, então a advogada disse a eles que poderiam confiar em mim para enviar recados para fora do presídio porque eu era de confiança. Assim, me utilizavam para passar recado. Antes, nenhum preso político pedia para falar com a assistente social e quando ganhei confiança, eles faziam fila para falar comigo (risos). Também prestei muito tempo para os presos comum. Fiquei apenas seis meses nesse presídio e fui transferida.

Você foi para onde?

Essa época eu era ingênua, não sabia o risco que corria. Aí, quando eu cheguei, o diretor do presídio me chamou e disse que eu seria transferida para trabalhar no manicômio.

Eu perguntei ao diretor porque estava me transferindo depois de seis meses apenas de serviço e ele me respondeu opressãoque não tinha nenhuma explicação para mim. A única coisa que disse era que não me demitiria direto porque eu era uma boa profissional, por isso a transferência. Geralmente, eu checava a comida de todos os presos para ver se estava em boa qualidade, se não tinha nenhum problema. Nesse presídio, antigamente tinha o costume do assistente social falar com os presos com um carcereiro junto e eu quebrei isso, falava com os presos sem a vigilância de ninguém. Penso que a ditadura não gostou do meu jeito de trabalhar.

Você foi trabalhar no manicômio?

Nesses seis meses que fiquei lá iniciei meu namoro com Manoel da Conceição. Ele e outros presos políticos foram levados a julgamento. O Manoel foi condenado a três anos de prisão, isso porque não encontraram prova nenhuma contra ele, mas como já tinha passado esse tempo na prisão, foi solto no dia seguinte do julgamento. Como parte da igreja estava contra a ditadura, Dom Aloísio mandou me chamar e me disse que eu teria uma tarefa a cumprir como assistente social: acompanhar o Manoel da Conceição até o momento em que ele se estabilizasse na vida fora do cárcere. Aí pronto, ficamos juntos de vez (risos). Daí, fomos, em maio de1 975, morar num sítio escondido no Ceará. Como a ditadura não deixava de perseguir mesmo aqueles que já tinham cumprido sua pena, alguns companheiros aconselharam Manoel a não voltar para o Maranhão e, posteriormente seguimos para São Paulo.

Como foi a vida em São Paulo?

Fomos morar na periferia de São Paulo para trabalhar com o povo na favela. Trabalhei desde a organização desse povo segregado pela cidade até apartar briga de peixeira e enfrentar a polícia que vinha prender os moradores injustamente. Passávamos períodos em vários lugares. Depois fomos passar um tempo num mosteiro trapista no interior de São Paulo, em Vinhedo.

E quando vão para o exílio?

Na verdade, eu tive que ir ao Ceará para dar baixa na minha carteira de trabalho, porque eu era funcionária pública lá e, também, me comunicar com a minha família. Mas, quando cheguei ao Ceará, na casa que eu morava, quando solteira, tocou o telefone. Era a notícia de que o Manoel acabava de ser preso de novo em São Paulo. Ficamos 18 dias sem saber o paradeiro do Manoel, nem os advogados dos presos políticos sabiam onde ele estava.

Tive que me virar para descobrir onde ele estava. Então passei a ir frequentemente conversar com o porteiro do prédio do DOPS. Primeiramente perguntava se ele conhecia Manoel da Conceição e ele sempre dizia que não. Eu tinha que sair escondida do lugar onde eu morava, porque os padres não permitiriam tamanha loucura de ir ao DOPS tentar notícias do Manoel. Um dia, comprei um monte de fruta para levar para o porteiro, que já tinha se habituado com minhas idas lá para pedir informação. Aí ele disse: “Espera aí, já que a senhora veio tantas vezes aqui eu vou ver o que posso fazer”. Pedi apenas que ele trouxesse uma peça de roupa do Manoel que eu saberia se ele estava preso ali. Ele voltou com a cueca do Manoel suja de sangue. Meu companheiro ficou 48 dias sob muita tortura com o comando do Romeu Tuma, que o Lula teve o descaramento de fazer um pronunciamento o chamando de um grande homem. Grande homem que torturava. Quando ele saiu estava numa condição deplorável. E Romeu Tuma disse ao advogado de Manoel: olha, para esse seu cliente só tem duas saídas: como não podemos mais mantê-lo preso porque ele já foi julgado, ou sai do país ou vai para debaixo da terra.

Aí o exílio…

Sim, depois da ameaça de morte no DOPS, houve uma articulação de pessoas ligadas aos direitos humanos na suíça para tirar o Manoel do país. Foram formados na Suíça 48 comitês em defesa da vida dele. Veio o representante da liga suíça dos direitos humanos e nos ofereceu exílio em seu país.

Como foi sua vida no exílio?

Eu cheguei grávida na Suíça com quase três meses, da minha filha Mariana. No tempo de gravidez, fiquei apenas de repouso sem exercer qualquer atividade. Depois que a Mariana cresceu um pouco, eu a coloquei na creche. Embora eu tivesse um auxílio de um salário mínimo do governo eu sentia a necessidade de trabalhar. Então, uma amiga minha disse que havia um colégio que precisava de alguém para fazer limpeza. Era um salão enorme com muitos vitrais. Passei dois dias lavando aquilo tudo e decidi no terceiro dia não ir mais. Nada contra a atividade, mas no Brasil eu nunca tinha feito isso, na Suíça porque era brasileira teria que me submete
r a isso. Eu achei outro emprego e fui dar aula numa escola de nível internacional que tem aulas de português. Olha a contradição, eu fui dar aula para os exilados da direita do Iran, além de empresários que iam ao Brasil.

Você estudou também na Suíça?

Em 1977, o Paulo Freire, que também estava exilado e visitava nossa casa me disse, “Denise, tem um instituto em Portugal, que é o melhor da Europa, porque não vai fazer um curso lá?”. Fomos eu e Manuel. Num belo dia faltando menos de um mês para terminar o curso, o coordenador expulsou a gente alegando que nós tínhamos fraudado uma das tarefas, assinado um trabalho sem ter feito. Nós fazíamos muitas críticas ao curso, e como já éramos exilados por questões políticas, acho que houve alguma armação para tirarmos do curso.

E a volta ao Brasil?

Ficamos três anos e meio na Suíça e voltamos em 1979 por conta da anistia. Fomos direto para um bairro pobre em Recife. Lá nossa casa sofreu uma série de atentados.

Uma vez nós chegamos e a porta da casa estava aberta, a nossa sorte foi que não acendemos a luz, pois deixaram um botijão de gás vazando dentro de casa. Depois, em outra situação jogaram sal em todas as partes da casa, nas paredes jogaram um óleo e numa escrivaninha escreveram morte. No quarto da Mariana, encontramos uma faixa escrita morte, além de uma faca enfiada no cortinado todo rasgado. Logo depois voltamos ao Maranhão onde estamos até hoje, onde eu tive oportunidade de fazer mais uma faculdade de direito na década de 1980. Também fomos muito hostilizados no Maranhão nessa época, pois os jornais da região diziam que nós fazíamos propaganda do comunismo no Estado. Isso porque tinham sido distribuídos uns botons no Maranhão escrito “Viva a Nicarágua, Viva a Revolução Cubana”.

Como é a vida hoje?

Viajamos todo tempo a convite de companheiros, de universidade… Continuamos na militância ainda.

“Meu contato com o povo que me levou a esse caminho”

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