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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Sobre florir, merecer e semear…

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21/09/2015 07h00 – Atualizado em 21/09/2015 07h00

Crônicas de uma Alma Solta

Por Luiz Peixoto

Como é bonito ver o ipê que flora,
Pelo cerrado neste mês de agosto.
Com tanta seca, tanto cinza exposto
E tanta aridez pelo campo afora,
O Amarelo-Roxo, abre, revigora
Feito um doce alento a bater no rosto
Como se Deus ali tivesse posto
Um sopro de vida, num mundo que chora.”
(Jenário de Fátima)

Nos tempos que morei em Brasília, quase 4 anos, me deliciava com a beleza dos ipês, nos meses de agosto e setembro. Quem conhece a capital federal, sabe que nessa época do ano é quase insuportável andar nas ruas da cidade, é um calor infernal e um secura de deserto. Mesmo assim era prazeroso andar nas ruas e ver a floradas. É como se a cidade fosse pintada de amarelo, rosa e depois de branco. Cores que alegram e animam, que motivavam a andar nas ruas, a olhar para cima e vislumbrar um dos céus mais azuis que conheço.

O cerrado sempre me encantou com suas plantas, retorcidas, tortas, de casca grossa, floridas, alegres, resistentes. Nessa época do ano ocorrem muitos incêndios no cerrado e as plantas dessa região mostram a faceta da resistência, de se reerguer das cinzas. O cerrado sempre me inspirou. Também tento me reerguer, mesmo torto e retorcido, mesmo com minha casca grossa, tendo ver as flores que ainda podem existir.

Olhando o cerrado, penso agora em mim!
Ando distorcido, ando tão descrente
Como há muito tempo, não me via assim.
(Jenário de Fátima)

Nesses últimos dias me encantei com os ipês de Amambai. Muitas e floridas. Decorando a cidade com vida! Lembrei com gosto das cores da infância. E fiquei pensando na leveza das sementes do ipê. Quem já as observou sabe da sua aerodinâmica perfeita, de sua leveza, feita para ser carregada pelo vento e espalhar cores pela vida.

Pensei, a partir disso, no debate em voga sobre a meritocracia. É tendência comum supor que, em relação a resultados esperados, se deva priorizar aquelas pessoas que demonstram talento e esforço pessoal na solução de problemas ou na busca de se sobressair diante da competitividade, e escolher essas pessoas para assumirem posições críticas e importantes de decisão ou responsabilidade na execução de tarefas, sejam particulares, sejam públicas. Dito dessa forma pode parecer natural e justo que sistemas meritocráticos assumam prevalência e preponderância sobre outras formas de escolha e definição de prioridades ou oportunidades em empresas, governos e entidades sociais. No entanto é cada vez mais frequente a percepção de que os sistemas meritocráticos se mostram injustos, discriminatórios, segregacionistas e que criam sérios problemas burocráticos, sociais e políticos nas sociedades em que são aplicados, tanto que nenhuma sociedade atual possui um sistema totalmente meritocrático em aplicação, apesar da meritocracia estar presente em maior ou menor grau em praticamente todas elas.

Pelo dicionário temos que: “Meritocracia: (do latim mereo, merecer, obter) é a forma de governo baseado no mérito. As posições hierárquicas são conquistadas, em tese, com base no merecimento, e há uma predominância de valores associados à educação e à competência”. E logo em decorrência: “Mérito: s.m. Aquilo que faz com que uma pessoa seja digna de elogio, de recompensa; merecimento. Qualidade apreciável de uma coisa, de uma pessoa. O que caracteriza a ação de merecer honras ou castigos; merecimento: condenado pelos seus méritos; prêmio recebido pelos seus méritos”.

Pois bem, se na meritocracia as pessoas devem ser escolhidas por seus méritos, e os méritos representam o que é digno de elogios de recompensa de honras, segue daí que aqueles que sejam meritórios, pela própria definição, estão acima e a frente das demais pessoas, do comum, do vulgar. Afinal não haveria sentido em se falar em méritos se quem possui esses méritos se mostra comum e vulgar quando comparado à todos os outros. Pode parecer, a princípio, que estou apenas dizendo o óbvio, porém nem sempre o óbvio é percebido de forma tão direta como esperada e nem sempre o que está diante de nossos olhos é captado em todo o seu significado, como pretendo deixar mais claro logo a diante. Agora se impõem também uma questão, o que seria considerado algo meritório? Se temos o sujeito que merece ser reconhecido como meritório então precisamos também ter o ato que possa ser considerado mérito, aquilo que ao ser realizado por uma pessoa o torna merecedor de ser reconhecido como digno de mérito.

No serviço público, agir com qualidade não é mérito, para mim, é obrigação. Quando preparo uma das minhas aulas, preparo o melhor que posso, para que ela seja executada da melhor forma possível. Isso não é mérito, é obrigação. Não faço meu melhor esperando premiação ou reconhecimento, faço-o pois o escolhi fazer.

Qual o mérito do ipê a não ser o de ser o que ele nasceu para ser? Todos os ipês tem a mesma possibilidade de crescer e de se desenvolver. Mas mesmo o ipê, se semeado em terra infértil, em solo degradado, demora mais a florir e a embelezar, mas um dia chega a florada, um dia surge a semeadura. Com gente não é diferente. Gente precisa de atenção, tempo e investimento para que cresça e floresça. Numa sociedade desigual como a nossa, tratar por mérito só se houvesse condições de vida igual para todos.

Mas minha cabeça, esperançosa vê,
Que no meio de tudo in-sis-ten-te-men-te
…Flora lá bem longe…pequenino ipê..
(Jenário de Fátima)

Nosso desafio é cultivar a vida. De modo que todos e todas tenham as mesmas possibilidades de desenvolver-se, de seguir resistindo, de aprender e de fazer seu caminho. Eu ainda acredito nas gentes que não se recolhem e que sabem seguir semeando, mesmo sabendo que não conseguirão ver os frutos das suas semeaduras.

Semeemos…

Luiz Peixoto é Filósofo, pós-graduado em Pedagogia da Alternância. Amambaiense. Professor e Educador.

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